sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Nós, o Estado

A militância político-social é antiga na história da humanidade. Em todos os tempos procura-se chegar ao controle do Estado para introduzir soluções que atendam com igualdade toda a população, e se este caminho parece truncado e impedido pela força da elite dominante, os militantes caminham sozinhos ou em pequenos grupos levando a parcelinha de instituição do Estado que conseguiu segurar para transmitir fraternalmente ao povo desamparado. São cidadãos dotados de algum recurso educacional, financeiro, profissional, de formação cultural adquirida em escolas, igrejas, partidos políticos, com os recursos que o Estado tem, mas só oferece a uma minoria.



O primeiro passo desses militantes é uma intuição humanista que forma a sua personalidade. Depois vêm as leituras, os estudos, os debates com outros, o enfrentamento da vida que amadurece o indivíduo tornando-o um cidadão que absorve os benefícios institucionais do Estado. A história do Brasil nos século XX registra alguns exemplos do esforço de heróis que tentaram levar pessoalmente os valores de um Estado democrático para defender as populações que se encontram marginalizadas da proteção institucional. Exemplos como a Revolta da Chibata, dirigida pelo marinheiro João Candido que assumiu com competência a função de almirante nos encouraçados São Paulo e Minas Gerais; a Guerra do Contestado no sul do país contra o poder arbitrário dos latifundiários; a Coluna Prestes dirigida por um jovem capitão do exército que com seus companheiros vindos do movimento tenentista atravessou do sul para o oeste, no interior mais sofrido do país, até o nordeste, 25 mil quilômetros levando o exemplo democrático que faltava ao Estado dominado pela oligarquia em uma ação pacificadora.



Em resposta ao longo período de ditadura militar em 1964, perseguidos na ação política partidária de esquerda e nas iniciativas solidárias de proteção popular, milhares de militantes encontraram nas favelas e nas regiões mais abandonadas do país, oportunidade para exercerem a sua solidariedade levando os benefícios democráticos do Estado que o governo da época negava. Surgiram escolas, auxilio médico, formação profissional, organização de moradores, pólos artísticos, que geravam uma consciência de cidadania a partir do conhecimento dos direitos constitucionais. O regime autoritário, no entanto, criou condições para ações criminosas que dominaram com um poder paralelo, anti-Estado, fortemente armado, que se apresentava como a proteção dos mais pobres. Era o crime organizado que se infiltrava na sociedade desempenhando o papel de protetor nas comunidades pobre, de policial e político responsável pela ação do Estado.



Esta herança maldita deixada pela ditadura, que introduziu como método vulgar a corrupção em todos os níveis da sociedade, que começou a ser extirpada com a introdução da democracia como meta do Governo Lula. Os militantes voluntários encontraram outro clima favorável ao trabalho nas periferias, os partidos populares tiveram a oportunidade de impulsionar as transformações de modo a que o Estado deixasse de ser feudo da elite, as organizações policiais deram início a uma limpeza interna para acabar com as infiltrações e alterar a sua função de repressão para a de proteção dos cidadãos, e a população passou a acompanhar de perto o trabalho dos três poderes e a exigir o fim da impunidade e da presença de pessoas com a “Ficha Suja” nos organismos do Estado.



A “guerra ao crime organizado” no Rio de Janeiro inaugurou uma nova fase democrática da proteção civil que uniu as forças policiais e o exército nacional no combate a um poder paralelo que dominava setores populares transformados em marginais. Até a mídia foi absorvida na campanha que uniu a população com os representantes do Estado, fazendo uma cobertura exemplar e divulgando a nova orientação aplicada no Brasil.



A raiz dessa mudança é a mesma que tantos militantes de diferentes origens filosóficas e sociais procuravam há mais de um século: a missão pacificadora levada a quem não recebia o apoio do Estado e vivia em condições de marginalidade. Saibamos defender esta conquista impedindo que oportunistas e criminosos voltem a usar a imagem protetora do Estado em benefício de interesses privados.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Violência do crime organizado

Não há dúvida de que os dois mandatos do governo Lula plantaram na sociedade brasileira as sementes democráticas que agora, com Dilma, deverão ser defendidas e orientadas para a construção de instituições públicas livres do domínio oligárquico exercido pela velha elite mandante. Todos os que participaram dessa construção de uma dinâmica que implanta os princípios democráticos em cada expressão do Estado de Direito sabem que o caminho de transformação, com base nas alianças entre todas as forças sociais e políticas nacionais, é longo e exige tenacidade em cada passo.



Foram diferentes iniciativas, alterando a legislação e as normas administrativas, buscando a participação dos cidadãos para definir o caminho do país, analisando criticamente o funcionamento dos órgãos de serviço público, fortalecendo um sistema democrático de atendimento ao povo, combatendo preconceitos e abusos de poder que desvirtuam o papel do Estado, denunciando os obstáculos criados por uma oposição criminosa ao desenvolvimento social e estabelecendo os limites éticos da ação política e administrativa na gestão do patrimônio nacional. Foi aberto o caminho para que instituições verdadeiramente democráticas passem a definir o Estado e que a impunidade deixasse de entravar a justiça no país.



Vemos, neste episódio de guerra do narcotráfico contra as forças policiais do Rio de Janeiro, o quanto a sociedade evoluiu no tratamento dos problemas sociais afetados pela ação do crime organizado. A Segurança Pública do Rio de Janeiro, que há perto de trinta anos combate as ações criminosas que têm suas bases nas favelas onde vivem centenas de milhares de famílias de trabalhadores, foi agora organizada com fundamentos técnicos militares e conhecimento científico para entender o comportamento dos cidadãos envolvidos – de bandidos e de moradores inocentes – conduzindo com maestria um enfrentamento decisivo com um mínimo de vítimas pessoais.



O processo gradual que minou e desesperou os chefes do narcotráfico.tornou-se possível como reflexo do novo caminho aberto com a meta democrática. As forças militares e policiais de todo o país ofereceram a sua ajuda que foi sendo aceita na medida das necessidades para um confronto final e rápido. Não houve competição entre poderes, houve solidariedade nacional. Os tanques da Marinha, os aviões blindados da Aeronáutica, o apoio de militares para garantir a ordem liberando as polícias estaduais para darem seqüência ao plano de pacificação que vem sendo implantado em todas as favelas há longos meses através da fixação de UPP (unidades policiais de pacificação). Os especialistas em segurança pública, os analistas científicos e os militantes dos movimentos sociais concordam em que a polícia evoluiu de uma fase de vigilância, como poder externo, para a de ajuda integrada com os moradores. Só assim conseguiram quebrar a força de proteção popular exercida pelos criminosos e criar condições para que o Estado assumisse as suas funções e conquistasse a confiança da população.



Foram dados exemplos de profunda significação na chefia da Segurança Pública em contacto permanente com a população através dos telefones de apoio. Os erros denunciados, de ligação de elementos da Polícia com o crime organizado, de prática de violência contra civis inocentes, de abusos de poder – que desde a vigência da ditadura em 1964 se tornara habitual e assustador – foram banidos e a impunidade deixou de vigorar nas ações policiais e militares. Resta agora que o sistema judicial e carcerário nacional entre no mesmo caminho de saneamento tanto de leis inadequadas como de comportamento irresponsável que limita a luta da sociedade contra o crime organizado. No Rio de Janeiro, nesta semana, foram alcançados êxitos admiráveis de aliança democrática dos órgãos de segurança pública e a população que passou a participar solidariamente com confiança no Estado, e a adesão da mídia integrada aos objetivos de luta do comando unificado contra o crime organizado.



Todos os que elegeram Lula em 2002 e que o acompanharam dentro ou fora do aparelho governamental, sabem que o processo segue o seu curso, agora com Dilma, na consolidação das primeiras conquistas democráticas (são muitas, a começar do combate à fome e pela integração social da maior parte da população brasileira com benefícios institucionais e no desenvolvimento nacional com independência) e que a fase de consolidação das conquistas abrirá novos caminhos para aprofundar as mudanças. Todos sabem que novas formas de oposição vão surgir, dos que encontram apoio em forças criminosas antidemocráticas criadas para gerar o caos nas sociedades que se levantam. A história da humanidade apresenta este quadro em várias épocas e diferentes regiões do planeta. Surgem razões pessoais, questões transitórias, ambições de grupos políticos, que se unem para destruir o que o povo constrói.



Assim é a violência que se desencadeou recentemente no Rio de Janeiro para intimidar os defensores de uma estratégia pacificadora das numerosas favelas onde se escondem as redes do crime organizado. Assim foi a campanha de difamação que se multiplicou através da internet e dos meios de comunicação social que apoiavam a fraca oposição à eleição de Dilma. Assim agiram os colonialistas britânicos no Oriente Médio dividindo os territórios árabes, os colonizadores europeus da África e da Ásia semeando a discórdia entre povos vizinhos, e o imperialismo norte-americano que sucedeu ao colonialismo globalmente. Com características de atos isolados, de rebeldia de grupos que perdem seus antigos privilégios, são confundidos com situações de insatisfação populares e as suas causas atribuídas à incapacidade ou erros dos governantes. A responsabilidade da mídia nesses momentos é decisiva para evitar que a violência de poucos seja utilizada por interesses privados contra as mudanças democráticas.



As dificuldades que se avizinham são atenuadas pelos vigorosos passos dados no sentido da solidariedade real da população e de meios de comunicação social com o Estado na medida em que se reestrutura com os recursos do conhecimento científico das questões sociais e das metas democráticas.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Histeria política, arma do desespero

Nos momentos históricos em que germinam as violências radicais de direita, a sociedade é alimentada por uma onda de relatos infamantes e debochados dirigidos contra os cidadãos e os movimentos sociais e políticos que sempre marcaram a luta a favor do povo e do desenvolvimento nacional. Espalham-se murmúrios mesquinhos e pérfidos cujos autores se escondem no anonimato, corroem as relações humanas para quebrar laços familiares e de amizade que existem apesar de diferentes posições ideológicas. Funciona como um caldeirão de maledicências, falsas acusações e velhos preconceitos raciais e de classe para eliminar o respeito e a solidariedade, condições básicas para a vida em sociedade, que unem a humanidade no enfrentamento dos problemas que a vida levanta.



Enquanto atingem o coração do relacionamento social (a família e os círculos de amizade espontânea), se apropriam do discurso formal em defesa das definições formais desses mesmos valores (tradição, família e propriedade): são os teóricos da célula familiar e dos laços humanos sagrados, històricamente subordinados às igrejas. No Brasil, durante a ditadura militar, a TFP exerceu o terrorismo mental para condenar ao inferno os defensores da democracia facilitando a perseguição militar e policial dirigida por facínoras que marcaram a história dos brasileiros com um rasto de sangue e de torturas inimagináveis. Seguia a linha da Santa Inquisição que horrorizou a sociedade medieval.



Essas velhas armas de minorias histéricas, vibradas no desespero de perder a sua hegemonia como elite poderosa, revelam a vocação terrorista e criminosa dos que preferem destruir a natureza e o ser humano a perder os privilégios de um poder falido. Foi o que ocorreu no Brasil para impulsionar a ditadura na década de 60, no ocidente na derrubada do sistema socialista na Europa, nos Estados Unidos com o “Mackartismo” do pós-guerra e agora com o ressurgimento do “Tea Party”, e que explode em qualquer lugar minado pelo expansionismo imperial.



Por incrível que pareça, a campanha da oposição pela Presidência em 2010 no Brasil desenterrou grupos como a TFP que marcaram a moderna oposição com as tintas e os vícios de um passado tenebroso. Hoje já se sabe que tanto no Brasil como nos Estados Unidos, os fanáticos terroristas têm a mesma origem. Não duvido de que em todas as manifestações de violência organizada que mancharam a história da humanidade com uma crueldade inaudita praticada em nome de falsa pureza, a formação dos seus mentores era a mesma de grupos que hoje, em um momento em que a democracia se fortalece no mundo, aparecem cá e lá. São os arautos das condenações às fogueiras que em nome do sagrado que a humanidade respeita liquidam fisicamente os que lutam pelo equilíbrio social com liberdade para todos.



Os estertores de fantasmas que perambulam alimentados pela ignorância histórica e pelo obscurantismo, assustam os que acreditam em uma ascensão social protegida pela velha elite, e rejeitam a independência na luta pelo desenvolvimento da sociedade. O medo de perder o poder que ainda não está nas mãos é irracional, desesperado, violento como o de torcedores desatinados que sentem a inutilidade do empenho da vida que puseram em um sonho de vitória que deixa de existir. E a violência é promovida como símbolo de poder minando a formação de uma juventude abandonada dentro das próprias famílias desestruturadas pela corrosão das maledicências estratégicas da elite que perde o poder político.



Através da internet multiplicam as histórias, contadas em mails que parecem verídicos pela forma pessoal que assumem e dão pequenas informações nominais e de endereços, com o fim de criarem medo da prática de crimes, com transmissão de doenças ou efeitos de drogas, em situações aparentemente normais que ocorrem no dia-a-dia. Há denúncias contra tais invenções – “hoaxes”- que visam apenas criar um clima de dúvida e instabilidade social que tem o efeito dos terrores espirituais.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Liberdade para o cidadão ou para as empresas?

A confusão entre liberdade de expressão e liberdade de impressão ou de imprensa, não ocorre por acaso. É preciso ficar claro que a democracia estabelece o princípio da liberdade de expressão para todos os cidadãos assegurando-lhes o direito de pensar e de manifestar a sua opinião independentemente do seu credo, da sua cultura, da sua filosofia, da sua ideologia – desde que não agrida a sociedade pondo em risco os cidadãos.



Alguns exemplos de desrespeito por esse direito ocorrem quando o cidadão é penalizado ao discordar da opinião dos seus chefes de serviço ou de autoridades civis, apesar de ser coerente com os princípios estabelecidos socialmente. As empresas midiáticas incorrem com alguma freqüência nesta falha contra a democracia, como o recente caso ocorrido no jornal Estado de São Paulo com a jornalista Ana Maria Kehl e tantas outras empresas dos meios de comunicação social. Algumas autoridades civis ou militares também incorrem no erro, exercendo o seu poder de forma indevida.



A liberdade de imprensa, como princípio democrático, será defendida se não ferir os princípios de equilíbrio social assegurado pela legislação nacional. Existe um termo de responsabilidade social que todos deverão cumprir de acordo com os princípios de justiça humana e solidariedade social. O cidadão que agredir princípios que foram aprovados socialmente e são defendidos pelas leis, também poderá ser punido, tal como as empresas. Afinal, estamos tratando da vida em sociedade, não na selva. A liberdade de um termina quando começa a do outro, e as leis são criadas para garantirem os direitos de todos com igualdades de condições (não uns fortes e outros fracos).



As empresas têm o direito de demitirem os funcionários que discordam da sua orientação no trabalho – cumprindo as leis trabalhistas e sociais devidas. Mas, as que defendem a liberdade da empresa que discorda da administração da sociedade ficam entaladas para justificar a liberdade empresarial, mas não a liberdade individual, quando a razão é a mesma. As contradições freqüentes que se assiste nos debates promovidos em programas televisivos, quando os representantes da mídia exercem o seu papel virtuoso denunciando o crime das informações mentirosas ou que promovem a violência em seguida à exibição de uma propaganda que incorre nos mesmos crimes, não podem coexistir com o pretexto de que a responsabilidade da empresa midiática se restringe aos discursos que faz mas não à publicidade que lhe pagam para divulgar. A responsabilidade de uma empresa, como de um indivíduo, é com os efeitos que a sua ação pública promove na sociedade. O cerceamento existirá para o autor e o difusor da mensagem.



Algumas vezes o indivíduo se vê enfrentando situação similar à da empresa, quando sofre limitações legais na condição de cidadão. Explico: um cidadão da classe média, que ao envelhecer viu-se na contingência de escorregar do C para o E devido ao emperramento do seu processo de aposentadoria por razões burocráticas, tem um rendimento de 80% do salário mínimo e vê negado o direito a uma tutela do Estado durante o curso de um processo judiciário. A razão explicitada judicialmente é de não haver “periculum mora”, o que é verdade para o cidadão brasileiro já que milhões de conterrâneos vivem na mesma e até pior condição. No entanto o indivíduo alega ter sido prejudicado na sua condição de classe média C com a perda dos seus recursos de vida existentes quando podia trabalhar – casa própria (que agora não pode pagar conservação e impostos), seguro médico, transporte próprio, acesso à cultura e ao laser, à viagens para visitar familiares, à ajuda que sempre deu aos seus filhos e agora daria aos netos, etc. Os juristas que opinem com urgência porque depois dos 60 anos a vida se torna curta e o corte nos hábitos de vida afetam a saúde mental e física das pessoas.



Se for uma questão de justiça defender a sobrevivência de empresas sem perda dos recursos que foram capazes de criar, também os indivíduos merecem esta atenção do Estado. O que se deve comprovar é que um e outro (empresa e indivíduo) não feriram os interesses sociais ao ocuparem uma situação de algum conforto na escala social. Creio que a lógica é elementar para o entendimento das coisas.

sábado, 13 de novembro de 2010

Indice de intenção democrática - Estados Unidos em último lugar no mundo

A idéia que se faz de um país democrático vem da publicidade política a partir de um fato notório da sua história ou uma declaração enfática dos seus governantes a propósito do respeito pelos direitos de cidadania. Assim, parece absurdo pensar que a democracia é fraca hoje nos Estados Unidos já que a história do século XVIII registrou o surgimento da primeira nação democrática a partir da luta do seu povo pela independência, em relação ao domínio colonizador europeu, e a adoção de uma Carta Constitucional que institucionalizava os princípios traçados pela Revolução Francesa para que o Estado atendesse democraticamente aos interesses e necessidades do povo livre da hegemonia da nobreza. A nação norte-americana ficou como a mãe da democracia institucional, o que não a impediu de agir autoritária e hegemonicamente sobre paises que não resistiam às suas imposições militares, econômicas, políticas e culturais, sem qualquer lembrança dos direitos democráticos colecionados em casa e exibidos da janela.


Com o passar do tempo, mesmo dentro da sociedade norte-americana no século XX, começaram a surgir indícios do vírus anti-democrático revelados primeiro pelos negros escravizados e perseguidos, pelos imigrantes discriminados e oprimidos, pelo ensino da maioria da população que permanece analfabeta-funcional por falta de recursos de leitura fora das escolas básicas, pela carência de serviços de saúde pública para as classes trabalhadoras, pela hegemonia dos bancos e empresas de seguros que controlam a capacidade popular de ter casa própria com condições de habitabilidade, pela corrupção no sistema de poder . Isso sem falar na perseguição sistemática aos que não adotam a religião e a ideologia da elite governante.



Um símbolo, tosco e até primário, da incapacidade de governar democraticamente vem sendo insistentemente revelado ao planeta com o sistema eleitoral realizado nos Estados Unidos com a ponta do lápis rompendo um quadradinho do papel que dão ao eleitor para significar um voto. Claro que não é por falta de conhecimento e recursos tecnológicos, que paises bem mais pobres esbanjam nas suas eleições fiscalizadas em todo o mundo. É por falta de intenção democrática e isto bem merece uma classificação feita pela ONU.



A intenção democrática bem merece um peso superior ao dos instrumentos institucionais democráticos, e muito maior então, que o registro de algum fato ou manifestação histórica passada de um traço democrático. Para que as classificações comparativas dos países tenham algum significado político real o método de análise tem de ser alterado para que não pesem as heranças históricas acumuladas que só beneficiam as elites e enfeitam os museus.



Em palavras mais claras, os Estados Unidos têm todas as condições para exercer a democracia se quiserem, mas até agora defendem com unhas e dentes que não querem. O que pensa a ONU? Qual a ajuda que os povos podem oferecer solidariamente para uma decisão que beneficiará globalmente o planeta?

terça-feira, 9 de novembro de 2010

O Estado visto de baixo para cima

Os métodos de observação e análise do funcionamento do Estado devem sofrer também uma alteração democratizante: a partir da experiência popular, vê-se com maior clarividência onde estão os erros no atendimento ao público, as inadequações dos meios burocráticos, os tropeços legislativos antiquados, enfim, a realidade presente e as falhas de um sistema amarrado por inércias históricas em um velho modelo de Estado.

Seria importante fazer uma pesquisa de campo levando um técnico de alto escalão, que seja idoso e vestido como alguém empobrecido, para buscar tratamento no SUS para os seus problemas causados pela idade e pela falta de acompanhamento médico há alguns anos. Ele deve utilizar os transportes públicos em um bairro de periferia e pedir ao médico que determine uma bateria de exames comuns de saúde. Deve tomar cuidado para não manifestar impaciência nem sugerir soluções alternativas que conhece por ser técnico. Se fizer todos os exames – de sangue, urina, radiografias, eletrocardiogramas, endoscopia, tomografias, e mais outros especializados para quem já tem mais de 60 anos e nunca foi examinado convenientemente – sempre utilizando transportes coletivos para marcar consultas e realiza-las, estará apto a fazer um relatório minucioso sobre as falhas no atendimento que a maioria dos idosos sofre.

Podemos sugerir também outras experiências de investigação interna nos serviços públicos, como a de um jovem (técnico e orientado superiormente) que faça estágio como auxiliar interno para ir aos arquivos, fazer cópias, verificar o andamento dos processos, etc. Será interessante conhecer a sua opinião sobre a hierarquia interna, o uso do poder em relação aos auxiliares de serviço e na exigência de documentos desnecessários “para retardar o atendimento ao público”, etc.

Esta investigação seria completada com o estudo da organização interna em que são registrados os caminhos seguidos pelos processos, o tempo gasto em cada passo por cada funcionário e, principalmente, os casos em que não se chegou a qualquer conclusão ou não se tomou decisões importantes que propõem alterações superiores nos recursos jurídicos ou outros para solucionar convenientemente uma questão pouco conhecida.

As sugestões que um cidadão comum, idoso ou jovem, pode fazer para uma mais perfeita fiscalização dos serviços públicos e modernização do sistema têm um valor profissional que os métodos tradicionais de análise da estrutura orgânica não alcançam – o do conhecimento direto da realidade. E é a realidade concreta da sociedade que deve sugerir as soluções técnicas de funcionamento de qualquer serviço de atendimento público. Pode parecer muita pretensão tratar o tema com simplicidade e oferecer sugestões a quem estudou profundamente a administração pública, mas não é. É apenas oferecer o outro ponto de vista, que é simples, e que nunca foi ouvido por não ter diploma.

As sociedades evoluíram, os preconceitos foram sendo eliminados, o treinamento para manter um diálogo respeitoso com o público permite que as emoções pessoais sejam evitadas para que o relacionamento social seja estável. Os problemas causados pelos sacrifícios dos mais carentes são respeitados e a solidariedade humana tem um papel valioso para encaminhar soluções válidas. Historicamente, a organização das estruturas de poder na sociedade também evoluiu, passando de uma visão elitista autoritária para o conhecimento dos direitos humanos e a criação de caminhos democráticos para solucionar os problemas. É a forma de incorporar a participação dos cidadãos mais velhos recolhendo a sua experiência de vida e a sabedoria com que vence as dificuldades de sobrevivência.

sábado, 30 de outubro de 2010

O Estado que o Brasil merece - a liberdade para os cidadãos

O Brasil tem uma carência institucional herdada do modelo de colonização e consolidada pela forma como se tornou independente: foram criadas as imagens de uma estrutura, com leis e serviços públicos, copiadas à Europa e adaptadas pelo chamado “jeitinho brasileiro” às condições nacionais displicentes e alienadas. O conteúdo manteve-se fluido para ser mais facilmente manipulado pela elite que ocupa o poder. Para “fazer de conta que existe” ou apenas “para inglês ver”, conforme o domínio político existente em cada época histórica.

Os defensores do “Estado Mínimo”, do período neo-capitalista que Lula venceu, talvez não tenham conseguido nada pela pouca diferença que o amorfismo do Estado (deixado pela ditadura militar que centralizou o poder) fazia do que se pretendia “minimizar’. Muito diferente da experiência de outros países da América Latina e principalmente da Europa que tinham construido um Estado com sólidas instituições que, por efeito do modelo neo-capitalista implantado ditado pelos Chicago-boys, perderam conteúdo guardando apenas a forma.

Com a prática oligárquica a estrutura do Estado foi sempre manipulada pela elite mais poderosa e pelos seus representantes que usufruiam do emprego e, com ele, do status social que se traduz em poder pessoal. As leis acompanharam a mesma tendência, de modo a confundir a pessoa do servidor público com a própria instituição para ameaçar o cidadão que protestar ao ser mal atendido. Em vez de sagrarem a função para defendê-la, sagraram o ocupante do cargo que em verdade representa o poder de uma elite mandante e não, o que deveria ser, um poder democrático.

O Estado não funciona

O hábito de culpar o Estado pelo mau funcionamento das instituições criadas para prestar serviço ao cidadão brasileiro, sempre foi incentivado pelos que confiam no poder de uma oligarquia que favorece os seus parceiros, os seus amigos, os seus protegidos, os seus eleitores. Falam mal das instituições e do próprio Estado para valorizarem as pessoas que ocupam e usam o poder de acordo com os seus interesses. Esta mesma oligarquia, que herdamos do tempo colonial, sempre usou o Estado para dar emprego aos seus apadrinhados, não para executar uma estratégia de desenvolvimento nacional e de apoio à toda a população. Para a elite o Estado faz-de-conta que atende o povo de maneira a que ele possa ser beneficiado como cidadão perdido na multidão desgraçada pela pobreza.

Para defender o “Estado Mínimo” e justificar as privatizações que interessavam às empresas nacionais e estrangeiras, explicavam que o Estado não tem competência para administrar e gerir, precisa da inteligência e produtividade privadas. Assim venderam a lucrativa empresa Vale do Rio Doce e avançaram na venda de ações da PETROBRAS de modo a que o Estado deixou de ser o maior acionista, desnacionalizando-a.

Lula introduziu o projeto de democratização do Estado e os seus seguidores trabalharam arduamente para corrigir os defeitos elitistas que predominavam na função pública. Fortalecendo a consciência do cidadão brasileiro foi possível contar com a atenção permanente de grande parte do povo que fiscaliza o atendimento das instituições e recorre aos organismos encarregados de ouvir as reclamações e melhorar o funcionamento dos serviços públicos. Ao contrário da velha oligarquia defende-se uma estrutura democrática de poder capaz de oferecer soluções aos problemas de toda a população, e não o valor pessoal de alguns mandantes “generosos” que escolhem quem deve ser beneficiado pelo Estado.

Participação cidadã

Não é fácil criar o hábito de todo o cidadão participar com o Governo na transformação social e, sobretudo, confiar nos responsáveis pela administração pública. O medo de despertar antipatias e represálias persecutórias de funcionários poderosos é muito forte devido à prática do domínio oligárquico em todo o país, que só agora começa a ser combatida. Esta é uma tarefa árdua e permanente que deve acompanhar o cidadão que tem a coragem de afirmar a sua dignidade participando da luta pela melhoria das condições de vida nacional. Ainda existem maus elementos capazes de abusar do poder pessoal que têm devido ao cargo que ocupa em uma instituição pública para impor os seus vícios e privilégios que desrespeitam o cidadão e atraiçoam a verdadeira função do Estado.

Sem participar na vida nacional a população perde a cidadania a que tem direito em um Estado democrático. Aceita a dominação dos mais fortes, perde a auto-estima, serve aos interesses alheios, deixa-se escravisar.

A coragem de participar depende da confiança que se tem na justiça assegurada em toda e qualquer instituição do Estado. Depende da liderança no processo político de luta em curso na sociedade e no perfil democrático do Governo. Sob o domínio oligárquico só os seus apadrinhados tinham alguma confiança porque se sentiam “passiveis de proteção pessoal”. Os demais tinham medo tanto de uma legalidade duvidosa quanto do mau humor do funcionário que o atendesse. Desconheciam-se os direitos dos cidadãos e da possibilidade do recurso à uma legislação pautada pela justiça e pelo respeito humano. O fundamento democrático dos serviços públicos restaura a segurança social que propicia também a participação solidária dos cidadãos.

Se o cidadão é punido por denunciar o mau atendimento que sofreu ou se perceber que houve qualquer forma de represália por parte de quem foi denunciado por incompetência na prestação de serviço público ou abuso de poder através das vias administrativas existentes - chefia, coordenadoria, ouvidoria -, a sua participação foi negada, assim como o espírito democrático do Estado. Tal situação ainda é bastante comum no Estado brasileiro onde é fomentada uma falsa solidariedade com os servidores públicos considerados “vítimas” dos cidadãos. Mesmo a legislação deixa de considerar os funcionários como responsáveis pelos erros cometidos, atribuindo-os de forma abstrata ao Estado, sem averiguar quais as origens do erro que podem ser pessoais, coletivos ou de chefia.

Cidadão integrado no social

Outra capacidade necessária à relação das instituições do Estado com os cidadãos é a de integrar o ponto de vista individual em uma visão mais ampla, do coletivo e social.

Naturalmente a primeira forma de reclamação é inspirada na defesa dos interesses individuais, o que quase sempre leva a um confronto imediato com a pessoa que presta serviço sem oferecer resposta satisfatória, provocando emoção e agressão descontrolada. Pensar que o problema não é individual, mas coletivo, permite ao cidadão desenvolver um raciocínio mais amplo que o curto ponto de vista individual e dinamizar todo um processo de recursos através dos próprios mecanismos do serviço público que vai colaborar no sentido da correção interna das condições de atendimento.

A defesa pessoal parece egoista e arrogante, a defesa coletiva não subentende privilégios. Por outro lado, se a informação do servidor é de que “entende as razões do cidadão” mas não tem recursos no serviço para solucionar o problema (é comum ouvir-se: “o programa não prevê esta questão”, ou “o procedimento é alheio à sua questão”, “o computador não responde”), o cidadão deve ser encaminhado a outro setor capaz de responder ou a um organismo onde poderá registrar a sua queixa ou denúncia. Só assim a oposição do cidadão deixará de transformar o servidor público em vítima e, pela sua participação o Estado terá elementos para rever os procedimentos de modo a poder atender à todas as questões existentes.

Responsabilidade e exemplo

Quando vemos um Ministro do Supremo Tribunal (e há casos concretos para serem citados) protestar com indignação ao ouvir um seu colega dizer que a exigência da Ficha Limpa para moralizar a eleição partiu da vontade popular: “se o povo toma decisões que passam a ser lei, o que estamos fazendo aqui?” - ficamos surpreendidos ao perceber que nem todos os altos funcionários do Estado concordam com a democracia e abdicam dos seus privilégios elitistas. Aquele protesto é de quem está convencido de que é superior ao povo, de que foi atropelado pela ralé, de que lhe faltaram ao respeito, de quem sabe pensar é quem tem um cargo elevado no Terceiro Poder, o Judiciário. O cidadão que adquiriu consciência democrática só poderá concordar em que aquele Ministro não deverá estar ali quando existir democracia, precisa ser reciclado ou substituído.

Já ficou no passado o hábito de um representante da elite condenar um cidadão com a simples frase : “Sabe com quem está falando?”, que afirmava o seu poder pessoal contra qualquer argumento. O peso cultural dos preconceitos é difícil de ser extinto, principalmente se do alto da estrutura de poder ainda surgem tais exemplos. A democratização do comportamento nacional deverá se afirmar de cima para baixo, assim como a moralização, ao contrário do poder social que vai do povo para os que o representam. Parece elementar, mas o que é óbvio nem sempre é percebido por pessoas que não superam uma cultura oligárquica.

Dizem que D. Pedro I, quando defendia a Independência do Brasil, afirmava: “Tudo farei para o povo, nada pelo povo”. A elite evoluiu pouco nestes duzentos anos apesar do discurso democrático ter sido adotado para cativar os eleitores com a ascensão do regime republicano.Os movimentos de libertação nacional, com a participação popular, abriram caminho para o entendimento da democracia, mas foram combatidos sempre pela elite aferrada aos seus privilégios. E ainda hoje é assim, mesmo quando importantes passos são dados para a criação de um Estado efetivamente democrático “para tudo fazer pelo povo e para o povo”. É mais fácil alterar a estrutura dos serviços e criar uma legislação democrática, mais visiveis devido às características formais, que as idéias e os hábitos dos mandantes. O conservadorismo está entranhado na cultura e se revela através dos preconceitos que marginalisam os indefesos, e do autoritarismo que esmaga a dignidade alheia.

Liberdade de expressão

Para haver participação social e integração dos cidadãos à dinâmica transformadora da sociedade é necessário assegurar a liberdade de expressão. Serão estabelecidos limites para manter o respeito humano de todos os envolvidos e para disciplinar de forma positiva o diálogo social. Este é um tema que tem sido discutido apenas na área da comunicação social – a liberdade de imprensa – confundindo-se frequentente a liberdade de expressão cidadã com o poder de empresas que se fortalecem ao nível economico, social e político, como se fossem um Quarto Poder, comparável ao Judiciário que deve ter liberdade e ser transparente para realizar a sua função ao lado dos Poderes Executivo e Legislativo no governo nacional. As empresas de comunicação social estarão, como os cidadãos, dependentes das normas de comportamente social oficialmente estabelecidas, cada qual dentro do seu nível de responsabilidade regulado judicialmente.

Não cabe ao cidadão ou à empresa, decidir sobre matéria que possa afetar a vida social sem ouvir os organismos conselheiros do Estado. Não se trata de censura mas sim de equilibrio para evitar consequências que não são fácilmente previstas por exigirem um conhecimento amplo de todas as implicações sobre a dinâmica social. Atualmente os meios de comunicação social passaram a driblar a legislação aplicável à imprensa, quando ultrapassam os limites da sua liberdade fazendo uso dos recursos existentes na internet - que são instrumentos de responsabilidade civil – os blogs e outros meios virtuais para complementarem a sua programação midiática.

Zillah Branco

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Contribuição para um debate atual sobre a participação política anti-imperialista


Introdução

Foram reunidos alguns artigos já publicados e outros não divulgados que propõem uma discussão sobre o significado atual do poder de uma elite, da ação do imperialismo, da luta pela independência dos povos e a participação cidadã na história.

O conhecimento científico atual permite distinguir o papel do indivíduo em uma luta cuja meta é transformar as condições de vida do coletivo populacional com a aplicação dos recursos nacionais, a partir de uma plano de desenvolvimento adequado à realidade em que vivem. A abordagem será a da combinação de fatores, de inter-relação entre diferentes níveis de cultura, de necessidades, de poder, para superar preconceitos, privilégios e formas de exploração social herdadas de um passado oligárquico e autoritário.

As crises do sistema capitalista despertaram o interesse dos seus defensores no sentido de uma auto-crítica da estratégia mantida e o aproveitamento das experiências históricas do sistema socialista. Os países socialistas e seus defensores já vinham procurando adequar as suas conquistas sociais e culturais às estruturas criadas pelo capitalismo de modo a alcançar um convívio equilibrado e positivo onde possa haver intercâmbio sem conflitos de poder. As nações latino-americanas em desenvolvimento têm escolhido governantes identificados com os interesses do seu povo e com o respeito pela cultura e a história da nação.

Tem-se hoje uma experiência de alguns países que afirmam a sua independência, defendem a sua cultura e lutam por formas de integração nacional e internacional para consolidar a sua integridade e igualdade de direitos no relacionamento global. Lutam pela PAZ e contra as elites dominantes que dependem das guerras.

Propõe-se um estudo macro e micro da política e seus elementos econômicos, sociais e culturais para abrir o leque intrincado dos problemas que mantêm estruturas fechadas de exploração e de explorados que impedem a participação dos cidadãos com consciência cívica na construção de uma sociedade mais justa que lhes propicie liberdade, igualdade e solidariedade, com respeito pelo valor humano de cada um e de todos.

QUEM TEM PODER NA SOCIEDADE?

A imagem de poder, aparentemente, se identifica com o Governo e com as instituições do Estado, isto é, na administração nacional. Mas, o verdadeiro poder que funciona como esteio da administração está atrás e o envolve. Com o apoio e a participação da população, com consciência de cidadania, será um poder democrático; fazendo uso da lei para impor uma disciplina - que será democrática na medida em que defenda os interesses da cidadania e não de uma elite – terá instrumentos para preservar a democracia. Mas, se a disciplina imposta for apenas para centralizar o poder representado por um Governo autoritário e anti-democrático, que defende os privilégios de uma elite, o esteio deste poder administrativo será militar e económico, insensível às necessidades humanas e sociais da população.

O sistema capitalista essencialmente representa os interesses económicos de uma elite dominante que controla os poderes militar e político. A elite se identifica socialmente com a classe que exerce o poder no comando das atividades produtivas e de serviços, de relacionamento interno e externo a nível de Estado, na comunicação (transporte e divulgação), no desenvolvimento das infra-estruturas assim como nas áreas sociais e culturais.

A contratação de trabalhadores para todas as atividades realizadas por empresas do Estado ou privadas, teve início com a Revolução Industrial dando origem à classe operária que, com as camadas inferiores da classe média, tem lutado por importantes conquistas democráticas que definem os Direitos Humanos, as eleições livres de representantes nacionais com funções executivas e legislativas na estrutura de poder, a legislação trabalhista, os direitos de associação.

Passo a passo os trabalhadores adquirem a capacidade de participar mais de perto nas ações administrativas do Estado e de impor, com a força da sua união manifestada pelos movimentos e associações sociais e por partidos de esquerda, as reivindicações dos que não pertencem à elite dominante. É um caminho revolucionário, lento, traçado através de alianças políticas dos vários estratos sociais mesmo que tenham interesses diferentes. Atualmente tais alianças têm sido facilitadas diante da crise que afeta todo o sistema capitalista incapaz de superar o reducionismo de uma elite gananciosa e egoista que sacrifica a humanidade para alcançar maiores lucros financeiros.

A experiência de alguns paises com a implantação de soluções socialistas demonstrou claramente as carências da visão capitalista que restringe os seus planos à eficiência e produtividade dos seus elementos sem assegurar o direito de todos à vida, ao desenvolvimento humano, ao controle das ações e produtos que destroem a natureza e a própria condição de sobrevivência. Os efeitos estufa, a destruição de florestas e mananciais aquíferos, desencadeam fenomenos destruidores do solo produtivo, das nascentes dos rios, das construções de cidades e infra-estruturas, das vidas vegetais, animais, humanas. A acumulação de lixo, sobretudo dos tóxicos e transmissores de doenças, polui o ambiente e asfixia a sociedade. É a partir da observação sobre as condições de sobrevivência de toda a população – introduzida pela experiência histórica socialista – que os planos de desenvolvimento podem ultrapassar a simples preocupação tecnocrática com o crescimento e o lucro.

Apesar do avanço da intelectualidade no sentido de ampliar a visão científica abarcando toda a realidade e as inter-relações de convívio, a elite autoritária, que tem o domínio financeiro e militar, continua a dificultar o caminho pacífico do desenvolvimento planetário. As forças imperialistas fomentam as guerras que consomem exércitos e armas, além de manter povos escravizados. Sorrateiramente oferecem soluções parciais para impedir a independência das nações empobrecidas. Vemos hoje que o grande apoio financeiro oferecido pelos paises ricos e o FMI à Grécia não é para salvar o país endividado já que impõe como condição as privatizações dos setores de energia e transporte.

Foi sempre assim a “ajuda” capitalista aos paises em desenvolvimento, mas a América Latina com seus novos governos que não aceitam o neo-liberalismo encontraram o caminho para manter a independência e o desenvolvimento. Os países mais pobres da Europa terão de fortalecer as suas unidades nacionais também e defender a sua autonomia porque a crise do sistema capitalista ainda não chegou aos bancos e à economia de guerra.

O LABORATÓRIO PSICO-POLITICO DO CAPITALISMO


A velha pretensão de construir um “Frankstein”, com todas as características de um homem de princípios, humanista e firme para liderar a humanidade, domina a elite pensante do capitalismo global. Experimentaram com Gorbatchov que se ofereceu para corrigir as falhas que minavam a estrutura soviética com discursos mascarados de orientação socialista que disfarçavam os atos de submissão ao imperialismo.

Os capitalistas “democratas”, com isso, aprenderam duas questões básicas: 1º) as massas precisam participar do esforço de substituição da imagem do novo programa para vencer a oposição da direita tradicional; 2º) as metas apresentadas devem estar mais próximas de um discurso socialista para satisfazer a idéia de democracia, que seja demagógico, mas de alto nível.

As versões sociais de poder defendidas pela elite – importantes famílias, dinheiro ou propriedades, tradições históricas, capacidade devido à “herança mental”, nível de instrução superior, e outros complexos de superioridade fartamente usados por racistas e oligarcas – estão totalmente desmoralizadas no mundo moderno que destronou a velha nobreza e vem derrubando os que são maus gestores das suas grandes empresas. Acompanhando esta derrota da direita política a nível intelectual, todas as ações que traduzem exploração do trabalho, abuso de poder, opressão pela força bélica, oposição ao exercício dos direitos humanos, preconceitos e discriminações sociais, que há duzentos anos a esquerda vem denunciando em suas lutas contra o imperialismo e os malefícios do sistema capitalista, passaram a ser condenados pelos “democratas” que, em um processo de modernização, se afastaram da direita cristalizada para poderem adotar o que a ciência e a história comprovam de mil maneiras.

Será preciso aceitar que as mudanças ocorram no sentido da realidade que está cada vez mais visível, mesmo para aqueles que antes lutavam para que nada mudasse abalando a classe a que pertencem. Ainda bem que muitos começam a enxergar agora, no segundo milênio, o que antes negavam por ignorância ou oportunismo. Mas o orgulho de alguns impõe novas artimanhas para evitar que sejam obrigados a ter a coragem de reconhecer que antes estavam no caminho errado quando se opunham aos princípios socialistas. Convenceram-se de que com as técnicas utilizadas na área da publicidade para dinamizar o chamado “mercado livre”, que manipula a consciência dos consumidores com as armas da psicologia aplicada, os espertos marketeiros que assessoram os grandes candidatos do sistema global rastreando os sentimentos e as palavras que são bem recebidas pela população na sua maioria (para não dizer a ideologia que traduz a consciência popular). Aceitam que a maioria tem razão, não a elite que age apenas por interesse particular. Vão em busca de um candidato não comprometido com o establishment marcadamente elitista e anti-democrático, e que desempenhou papel de líder comunitário e social em defesa de causas populares habitualmente discriminadas.

Peter Giangreco – estrategista de marketing no Partido Democrata norte-americano, fez um relato completo sobre como Barack Obama foi escolhido para servir de “frankstein” como canditato à presidência dos Estados Unidos (entrevista concedida à Globonews, ao jornalista Ricardo Lessa, dia 23.01.10 no programa “Conta Corrente”). Para quebrar a imodéstia de construtor do herói, fez várias referências à capacidade de Obama, de natural líder carismático que garantiu o êxito eleitoral sendo negro, jovem, de carreira política recente. Afirmou que a estratégia foi a de adotar uma campanha “de baixo para cima” utilizando a solidariedade natural da população desgostosa com a política norte-americana de guerras, há vários anos apresentada por maus candidatos que desmobilizavam os eleitores. Recorrendo à internet e à publicidade gratuita que as pessoas começaram a fazer no seu dia a dia, animadas com a possibilidade de verdadeira participação popular na eleição, criaram uma rede para acompanhar esta comunicação popular espontânea com agentes coordenadores “jovens que trabalhavam por pouco salário” e material escrito e gravado em DVD com “temas e linguagem adequados a captar a simpatia da maioria”. Explicou que esta técnica publicitária já é amplamente utilizada para promover a venda de produtos vários no mercado comercial. Dessa forma captaram o apoio popular que o Partido Democrata precisava, e uma farta arrecadação de recursos para financiar a campanha. Em resumo, copiaram as campanhas de esquerda que no mundo inteiro são feitas para concorrer com a direita que detém o poder de comunicação e os recursos de financiamento dos respectivos partidos.

Isto pode ser considerado como fraude, manipulação das consciências e traição à boa fé dos apoiantes ou foi uma valente e heróica maneira de abrir espaço para alterar os conceitos do povo americano (e dos seus políticos democratas incluindo o Presidente), mudando de lado ideológico e adotando posições mundiais de esquerda? Giangreco disse que todo o trabalho de marketing foi realizado à semelhança de “químicos em laboratório”. Imagino que a cabeça da elite que acredita nas mágicas da publicidade, não dê para analisar de maneira mais profunda o esforço de “parecer” de esquerda. E fico com a lembrança do filme “Fantasia” do Disney, quando Mickey faz a mágica para transportar a água sem necessidade de trabalhar e vê-se num dilúvio por perder o controle da situação.

Os movimentos da história vão mais além dos coelhos tirados da cartola. Têm dinâmica própria e abrem caminhos inesperados. Hoje Obama desilude grande número dos que pensaram que os discursos eleitorais revelavam o seu pensamento próprio – contra a guerra no Oriente Médio, contra a prisão de Guantanamo, a favor de um relacionamento digno com os governos que Bush condenava como inimigos, com respeito pela Paz Mundial. Para outros, não importa que Obama vire a casaca como fez quando recebeu o prêmio Nobel da Paz, porque grande parte da humanidade não aceita ser traída na sua confiança e tem capacidade para encontrar outros líderes para prosseguir o seu caminho pela verdadeira Paz que deriva do respeito pelos Direitos Humanos em todos os sentidos. São os líderes que encarnam a vontade popular, não os que pretendem impor uma nova vontade. Estratégia é o encadeamento lógico dos valores dominantes para atingir uma meta, não é a mistura química de palavras cativantes para enganar os povos.

Até mesmo Obama poderá continuar fiel às suas mensagens favoráveis à Paz e ao respeito pela humanidade. Os seres humanos evoluem, só retrocedem os que se vendem por um punhado de lentilhas, e acreditam que a publicidade traça o destino de um povo.

O império visto por dentro

Temos tido surpresas interessantes com a última (espero que seja realmente a última) imagem da versão imperialista da nação norte-americana.

A partir das repetidas catástrofes propiciadas por Bush no seu governo – brincando de cabra-cega com o seu antigo aliado Bin Laden; invadindo países com base em mentiras oficiais (denunciadas pela CIA e outros); sabendo do provável ataque aéreo de terroristas, mas sem tomar medidas de proteção por não saber onde iriam ocorrer (cic.declaração de Bush televisionada); enriquecendo empresas multinacionais na destruição e reconstrução dos países invadidos e tantas outras formas de terrorismo de estado – o mundo começou a respirar com o desenvolvimento da campanha eleitoral de Obama que trouxe a público os valores entorpecidos da história dos Estados Unidos homenageando alguns dos seus heróis assassinados que contrariaram os preconceitos e as tendências destruidoras da estratégia imperialista acoplada ao desenvolvimento nacional.

Obama expôs, a si e à sua família, como humanista decidido a limpar a imagem cruel que os Estados Unidos mantém em todo o mundo. Brilhantes intelectuais defensores ou não do sistema capitalista revelaram conhecimento da realidade planetária alertando para os problemas da destruição ecológica e a perversão do relacionamento com os seres humanos que continuam a ser espoliados no Terceiro Mundo e nas áreas pobres dos países desenvolvidos, escravizados, estuprados, vendidos aos pedaços, para enriquecer uma elite egoísta e criminosa que concentra em suas mãos o poder militar e econômico de todo o planeta. O mundo intelectual foi animado pela possibilidade de encontrar pontos comuns na interpretação dos problemas que ameaçam a humanidade. Foi reavivada a confiança nos processos de aliança de interesses coletivos, de respeito pelas diferenças culturais e outras que têm desunido os povos, de convergência ecumênica entre as diversas religiões e filosofias de vida, de unificação dos propósitos mais nobres dos militantes sociais e políticos - a PAZ almejada por todos os povos do planeta.

Aos poucos, em oposição, recomeçaram a surgir expressões mais reacionárias que avivaram as dúvidas e os oportunismos de conservadores inseguros e despertaram iniciativas de crueldade em mentes desarvoradas. Um exemplar do marketing que trabalhou na campanha eleitoral do Partido Democrata revelou em entrevista a TV Globo que era antiga a idéia de eleger alguém com convicções semelhantes a dos eleitores populares, que pudesse usar as frases que despertam confiança na gente comum (e ingênua). E encontraram Obama. Ficou a dúvida se a proposta cínica foi feita ao candidato ou se ele faz parte dos ingênuos como a maioria dos eleitores.

Com a memória dos assassinatos históricos nos Estados Unidos que, por muito menos que as promessas de diálogo internacional feitas por Obama, foram eliminadas para permitir a continuidade da vocação imperialista do poder norte-americano, era de se esperar que o novo presidente fosse pressionado e ameaçado. As suas palavras ao receber o premio Nobel da Paz defendendo as guerras justas (linguagem de Bush), revelaram que a corda estava no seu pescoço.

O mundo viu surgir um Obama democrata para efeito de transformação interna da sociedade norte-americana - com a luta para dar um espaço de cidadania aos pobres que precisam de tratamentos de saúde, e mais recentemente, com a dignidade com que tem exigido da empresa britânica de petróleo para que cumpra as leis do Estado americano suportando os custos do desastre criado pela sua incompetência ao inundar o oceano de óleo que dizima a flora, a fauna e a produção de alimentos em todo o sul do país. E, um Obama imperialista que espalha as bases militares por todos os continentes, que continua o caminho de Bush para derrotar os paises árabes e ficar com o seu petróleo tratando como inimigos os que se defendem, aumentando o numero de soldados que vão patrioticamente morrer no Afeganistão. Até quando será possível manter tal dubiedade? O general das forças norte-americanas no Afeganistão já exprimiu o seu desprezo pela orientação da Presidência de Obama. Será ato isolado? Cheira a golpe.

Chalmers Johson, aposentado da CIA que publicou anteriormente Blowback (explicando porque os Estados Unidos foram e serão agredidos em retaliação à sua política expansionista), põe em dúvida o futuro do império fundado em forças militares e fantasiado de missionário. Chegou à conclusão de que “o livro - Venas abiertas em América Latina - de Eduardo Galeano, que o presidente da Venezuela ofereceu a Obama, é muito interessante para apresentar uma realidade que explica porque os norte-americanos são odiados pelos povos em desenvolvimento.” E esclarece que o elevado custo, financeiro e humano das invasões imperialistas praticadas vai levar os Estados Unidos à insolvência. “Não será falência porque não se vai pretender compensar as vítimas”.

Tal como ocorreu quando a campanha de Obama inspirou as novas alianças, o ex-funcionário da CIA começa a dar valor aos textos produzidos por revolucionários.

Mesmo que a escolha de um Presidente, negro e democrata, que sirva de escudo para o poder do eixo do mal imperial continuar a agir, as sociedades foram abaladas pelo aceno da PAZ e do diálogo racional e construtivo entre os povos. Como escreveu o mexicano Octávio Paz, “quem viu a esperança não a esquece”. O caminho alternativo foi aberto e Chalmers, ex-funcionário da CIA, reconhece que só será viável se “construído de baixo para cima pelas pessoas instruídas”. Pelos cidadãos conscientes, digamos mais precisamente.

O imperialismo se expande

Enquanto os povos lutam por uma lenta evolução democrática que garanta a sobrevivência em condições mais dignas, o sistema capitalista entra triunfalmente na fase imperialista prevista por Marx e seus seguidores. Em artigo um embaixador francês Pierre Charasse, faz uma análise clara da “Geopolítica da desaparição do Euro” (divulgado por Carta Maior 9/6/10). Com a assinatura do Tratado de Lisboa as nações europeias reunidas na UE entregaram a defesa militar à NATO e com a independência do Banco Central Europeu cederam o comando das suas finanças nacionais ao FMI. A Inglaterra preservou a sua moeda – libra, que não se esvaiu no Euro – mantendo a velha cumplicidade com os Estados Unidos ( que são o eixo da NATO e do FMI), cumplicidade herdada da ligação evolutiva entre o colonialismo e o imperialismo arquitetada nas conferências de Bretton Woods em Julho de 1944.

Da primeira grande “crise económica” do sistema capitalista (1929) surgiu a estratégia do governo protetor – welfare state – que, a nível nacional garantia empregos à sua população. A nível internacional desenvolvia-se o intervencionismo de um governo com capacidade de liderança e de controle do mercado mundial (base do comércio global) e das relações financeiras. A política de “beggar-thy-neighbor” (empobrece o teu vizinho) provocou espirais inflacionárias, diminuição de produção, desemprego em massa e declínio do comércio mundial aberto ao fluxo de capitais e comércio privados, base do sistema liberal.

Os Estados Unidos não sofreram as destruições causadas pela Grande Guerra às nações ricas da Europa e fortaleceram os seus laços de financiamento tanto na Europa desenvolvida como no Terceiro Mundo empobrecido pelo colonialismo centenário que sugou suas riquezas e miserabilizou suas populações. Foi a oportunidade para o grande salto industrial dos Estados Unidos e seus parceiros europeus. O sonho de Hitler foi absorvido pelo poder capitalista concentrado na nação norte-americana que gerou um formidável poder militar provado com o uso da bomba atómica contra civis japoneses.

A história imperialista do pós-guerra no século XX foi a do combate sem tréguas aos movimentos populares de emancipação nacional, que agitaram os trabalhadores de todo o mundo, e ao sistema socialista implantado na União Soviética, RDA, Polónia, Hungria, Tchecoslováquia, Bulgária, Roménia, China, Coreia do Norte, e mais tarde em Cuba, no Vietnam, no Laos. Os organismos “protetores” (FMI, Banco Mundial e outros manipulados pelos EU) passaram a aplicar os seus projetos de desenvolvimento no Terceiro Mundo de modo a destruir as raízes nacionais e culturais dos povos e subordinar as suas economias ao famigerado “mercado livre”. Semearam a destruição de florestas nativas, as nascentes de água doce; a dependência de povoações camponesas levadas a abandonar a sua economia tradicional; a subordinação das novas gerações engolidas pela cultura ocidental imposta mundialmente pela midia para extirpar os valores tradicionais; a distribuição de drogas e implantação de redes criminosas aliadas ao turismo predador que financia a prostituição e a corrupção generalizadas.

Enquanto sobreviveu a União Soviética - que para fazer face ao poder imperialista desenvolveu-se como potência militar sacrificando em parte as condições que o sistem socialista introduziu no mundo em defesa da vida social democrática e o apoio à luta pela emancipação dos povos, - o relativo equilíbrio de forças limitou a expansão do imperialismo, obrigando os Estados Unidos a tratar as demais nações ricas como aliadas mas independentes.

As nações mantiveram-se politicamente aliadas à potência norte-americana que, na criação de um sistema global, dinamizou a integração multinacional das grandes empresas e criou mecanismos comerciais e militares para exercer, em âmbito internacional, o controle indireto da estratégia capitalista expansionista. Lentamente as nações europeias foram absorvendo a cultura e os produtos norte-americanos como modelos de modernidade. No mundo subdesenvolvido era imposto, pelo Ocidente “civilizado”, o mesmo modelo através de produtos menos elaborados e mais adequados à rusticidade e baixo poder aquisitivo das populações empobrecidas.

Com a implosão do socialismo na Europa minado pelas infiltrações imperialistas, os antigos aliados decidiram criar um poder Europeu unindo as nações do seu continente. Dentro do conceito comunitário foi promovida uma integração de nações ricas e pobres. A União Europeia criou uma moeda única – o Euro – que na competição com o dollar tornou-se mais forte afirmando o valor do velho continente frente à potência moderna. Com algum constrangimento (diante dos movimentos de massas nacionais) cumpriram as funções de aliados nas guerras imperialistas: no Afganistão, na Yugoslávia, no Iraque e cederam bases na Europa para as manobras norte-americanas. A subserviência à única potência mundial levou a UE a aceitar o comando militar da NATO e a criar um Banco Central Europeu independente dos governos nacionais, que integrou o sistema financeiro global subordinado ao FMI. Entregaram as armas e as finanças. Com a crise criada pelo sistema bancário mundial, a moeda europeia rodou e o dollar foi fortalecido, como explicou o embaixador francês Pierre Charasse.

Já em 1916, a partir da análise que Marx e Engels fizeram, no século anterior, do desenvolvimento do sistema capitalista, V.I.Lenine observou o “Lugar do imperialismo na história”. “O imperialismo é, pela sua essência econômica, o capitalismo monopolista ... que nasce da livre concorrência, é a transição do capitalismo para uma estrutura econômica e social mais elevada”. Assinalou as seguintes características: “O monopólio é um produto da concentração da produção em um grau mais elevado do seu desenvolvimento; os monopólios vieram agudizar a luta pela conquista das mais importantes fontes de matérias-primas; o monopólio surgiu dos bancos com a concentração do capital financeiro; o monopólio nasceu da política colonial pela nova partilha do mundo.”

Tudo isto deu origem ao caráter parasitário do capitalismo na fase imperialista que despertará formas de reação violentas quando a sociedade se tornar caótica com a perda de regulação institucional.

Os movimentos de trabalhadores em toda a Europa, a começar pela Grécia que reuniu mais de cem mil pessoas nas manifestações de Atenas e a continuar com Portugal que realizou uma marcha com trezentos mil cidadãos organizados pelos Sindicatos no final de Maio, reavivaram os valores das suas tradições de lutas. Se os governos sucumbiram ao dominio imperialista, os povos terão de conduzir as suas nações com a independência que as dignifica. Assim foi vencido o fascismo que provocou a Guerra Mundial.



Impérios e democracia

A cultura dominante na nossa época continua a construir conceitos herdados do passado sem uma devida adequação à realidade presente. Raramente são discutidas, por exemplo, as deformações de comportamento derivadas de hábitos ancestrais de submissão aos poderosos e a repetição dos seus preconceitos sociais, apesar das condições atuais ofereçam conhecimento e recursos institucionais apoiados em leis democráticas.

Com a introdução política dos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade que a Revolução Francesa (1789) lançou no mundo, foram adotados conceitos democráticos na linguagem política que nem sempre são transmitidos culturalmente, e só vagarosamente, incentivam mudanças no raciocínio individual e social que promovem novas mudanças no comportamento individual e social.

Apesar das importantes conquistas sociais de caráter democrático – o fim da escravidão como sistema, o combate ao racismo e ao machismo como instrumentos de discriminação social, a condenação jurídica do abuso de poder nas sociedades, o combate aos sistemas oligárquicos e autoritários pela criação de instituições jurídicas e oficiais de Estado que seguem os princípios democráticos estabelecidos nas Constituições nacionais – em pleno século XXI ainda surgem manifestações, políticas e individuais, de submissão ao mais forte com a falsa justificação do protecionismo que reforça o poder de um e a fragilidade do outro.

Dominados pela alienação social, ou pelo oportunismo pessoal, continuam a desejar um “dono” rico e forte que resolva os problemas da sociedade à sua maneira, mesmo que cometendo injustiças e impedindo a população dependente de alcançar sua autonomia e afirmação de dignidade. A propaganda da superioridade das elites que detêm o poder econômico e político, e com eles o social, como se fossem detentores de discernimento mental e capacidades acima de todo o povo mantido no atraso e na condição subalterna de trabalhador dependente, na verdade faz uso dos velhos preconceitos e mitos que se opõem aos de igualdade e fraternidade tão apregoados como alavancas eleitorais. Assim, torna-se fácil justificar que os governos devem estar nas mãos das elites que distribuirão a seu critério os recursos de sobrevivência e de formação cultural para a população trabalhadora, perpetuando o seu poder absoluto.

Os mesmos raciocínios de competência das elites para exercer o poder, são aplicados às nações: as menos desenvolvidas e mais pobres submetem-se às mais ricas e poderosas, como uma ordem natural das coisas que fica por conta dos deuses ou de outras formas de explicação mitológica. Aceitam-se os impérios resultantes da vocação expansionista que sugam as economias mais pobres e destroem todo o tipo de resistência popular, e ainda a publicidade do invasor como exercendo suposta missão pacificadora e democratizante. De lado fica o que a história revela sobre os antecedentes predatórios e exploradores dos países que enriqueceram a custa de dominação de regiões por eles colonizadas, escravizadas e roubadas.

Quando hoje são referidos os “impérios”, nos textos históricos, são destacados os da antiguidade e depois os que desapareceram no decorrer do século XIX até as duas grandes guerras. O domínio do império britânico, assim como dos sistemas coloniais europeus e norte-americano ficam explicados pela revolução industrial que os dotou de um patrimônio tecnológico, bélico e financeiro que traduziu o poder aparentemente invencível quando em confronto com as nações ainda subdesenvolvidas.

As duas grandes guerras esgotaram as forças das nações imperiais européias e fortaleceram as dos Estados Unidos que desde a sua independência defendia uma doutrina isolacionista para fortalecer o desenvolvimento nacional. Na América (que incluía dentro do seu isolacionismo com o conceito de “América para os americanos”) apoiava a libertação colonial de várias nações e, aparentemente, colaborava com o desenvolvimento econômico local enquanto introduzia as suas empresas em substituição às européias. Assenhoreava-se dos setores fundamentais ligados a infraestrutura de transporte, comunicação e energia. Era o nascimento de um modelo imperialista mais ligado ao poder econômico que o das nações européias que definiam uma administração política dentro do país ocupado.

Com a participação decisiva no final da segunda guerra (ao mesmo tempo em que fabricava as primeiras armas atômicas, e as utilizava contra populações civis no Japão), os Estados Unidos passaram da aliança aos europeus no combate ao nazi-fascismo à liderança militar e econômica fortalecidas pela industria bélica e exploração de matérias primas. Foi um rude golpe na manutenção das antigas colônias européias, que já se inspiravam na revolução socialista para conquistarem a independência nacional. Essa liderança indiscutível, centrada no desenvolvimento do sistema capitalista ocidental, promoveu a diferença doutrinária da política norte-americana que assumiu claramente o expansionismo imperial. No fim da guerra mundial foram criados os organismos internacionais incumbidos da proteção e segurança mundial, com uma fachada democrática enriquecida pela Declaração dos Direitos Humanos e princípios de liberdade, fraternidade e solidariedade na promoção do desenvolvimento das nações.

Os Estados Unidos tinham como oponente principal a União Soviética que apoiava os movimentos de libertação nacional em todo o Terceiro Mundo e oferecia formação cultural e científica para que os quadros políticos de países subdesenvolvidos tivessem condições de se prepararem para conduzir as lutas nacionais dos seus respectivos povos e assumir a administração governamental após a vitória. Crescia a luta anti-imperialista em todo o planeta enquanto a União Soviética desenvolvia um sistema socialista de participação popular e com atendimento às necessidades básicas da população – habitação, saúde, ensino, segurança social – sem deixar de investir fortemente na preparação militar para fazer frente a prováveis ataques do bloco capitalista. A definição da “guerra fria” serviu como pólo aglutinador da aliança ocidental promovendo a potência norteamericana a líder mundial do sistema capitalista.

Estavam criadas, nos Estados Unidos, as condições para a vigência da doutrina Truman que encerrou o ideal democrático cultivado nos antigos princípios da nação, e abriu vastos caminhos expansionistas para a consolidação do império norteamericano que atingiu o seu ápice com a implosão da União Soviética. A presença invasora dos Estados Unidos em todos os continentes nos últimos quarenta anos fez com que a nação ficasse identificada pelas novas gerações como imperialista e opressora. É necessário reler a história mundial para separar o caminho nacional dos Estados Unidos daquele que, pelo desenvolvimento da ganância capitalista e dos objetivos expansionistas de um Estado/Grande-Empresa, constituem o imperialismo que ameaça a liberdade dos povos em luta pela criação de um mundo mais humanizado em que a Paz favoreça o fim da violência.

Dentro dos Estados Unidos muitas vozes têm manifestado a sua oposição a este infame “destino” de que a nação foi investida. Nas grandes manifestações contra a guerra no Vietnam ficou provada a exigência popular contra a manipulação da política internacional por um aparelho monstruoso criado para dominar o mundo. Com a eleição de Barak Obama, multiplicaram-se as edições de livros e, agora de filmes documentários, de intelectuais que investem os seus conhecimentos e as suas vidas em um projeto de mudança radical da doutrina norte-americana no sentido da solidariedade entre todos os povos para enfrentarem, juntos, os problemas do clima e do esgotamento dos recursos naturais que resultaram das sucessivas construções de impérios destruidores da Terra e da humanidade.

Já é voz comum que “a violência gera violência” e os povos conscientes das suas capacidades e do caminho para desenvolvê-las, querem a Paz.


A trilha da esperança

A trilha que hoje nos leva á esperança de unir os povos para transformar revolicionariamente a história planetária, lutando pela PAZ e construindo melhores condições de vida para todos, segue as conquistas do conhecimento humano que têm como meta o respeito pelos Direitos Humanos e a conservação da natureza, a igualdade entre todos os cidadãos perante os recursos que os Estados Nacionais aplicam para promover o desenvolvimento das sociedades e do coletivo social sem privilégios e preconceitos e a valorização dos conceitos de dignidade e solidariedade.

O mundo se transforma com as experiências que promovem a evolução das sociedades e das suas culturas. Grandes pensadores construiram teorias que permitem ao indivíduo ver e se preocupar com os outros antes de si mesmo. A visão de conjunto, de inter-relações, do coletivo social e da inter-dependência dos seres humanos com a natureza, tornou-se o fundamento das ciências e inspirou todas as formas de pensamento da humanidade.

A grande obra socialista teorizada por Marx, Hengels e tantos outros, que foi levada à prática inicialmente por Lenin e seus companheiros, contribuiu para objetivar os passos a serem dados no sentido de estabelecer uma sociedade mais justa onde os seres humanos pudessem crescer com a liberdade de se realizarem plenamente. A Revolução Francesa sintetizou esta meta ideal com as palavras: liberdade, igualdade e fraternidade, que correspondeu a pensamentos religiosos e humanistas que marcaram na história da humanidade grandes gestos heróicos de cidadãos que abriram o caminho para o amadurecimento mental do ser humano.

Com o desenvolvimento do modelo de sistema capitalista nascido da Revolução Industrial, mais uma vez, opuseram-se as tendências humanistas das que preconizam a centralização do poder e da riqueza nas mãos da elite dominante capaz de explorar a força de trabalho da população empobrecida que se vê subjugada para garantir uma parca sobrevivência. Em todas as épocas históricas assistimos aos embates entre estas duas tendências onde vencem militarmente os mais fortemente armados que se impõem como chefes cruéis até esgotarem o seu poder minado pelo esbanjamento de riquezas e abandono de princípios éticos.

Mas, as derrotas militares preservam a força da razão e do sentimento socializante que se expande ganhando mais e mais adeptos em todo o planeta e aprofundando os conceitos de luta e objetivando os métodos de conhecimento da realidade e de organização de um processo que seguirá o seu rumo até à vitória final.

No século XX foram obtidas fundamentais vitórias revolucionárias, a começar pela Revolução Russa de 1917 que suportou o antagonismo de todos os paises capitalistas, venceu com os aliados a ambição nazi-fascista, deu significativo apoio aos movimentos de libertação em todo o planeta, expandiu uma cultura revolucionária consolidada com a sua experiência histórica, criou uma potência mundial que existiu por 80 anos agredida pelas mais modernas armas e técnicas do capitalismo global. Outros povos que receberam apoio seguiram os seus próprios caminhos e sobreviveram com a experiência do socialismo adaptada às condições do sistema economico vigente e das relações internacionais: China, Vietnam, Coreia, Laos e Cuba mantêm a bandeira comunista como simbolo da meta de sua luta inspirando os revolucionários de todo o mundo moderno (e atraindo a reação da elite capitalista que não quer deixar que a humanidade considere as vantagens superiores de um sistema socialista).

Dentro dos paises ricos do sistema capitalista intelectuais e militantes sociais estudam os critérios socialistas que atendem às necessidades de toda a população sem distinção de qualquer espécie. Com uma visão mais ampla entendem as causas das misérias e dos abusos sociais e propõem planos de desenvolvimento coletivo e de infra-estruturas nacionais antes de buscarem os maiores lucros no mercado para produtos supérfluos. É o embate com a teoria consumista de um mercado supostamente livre que está na base do poder elitista. O estudo profundo das causas das crises economicas que abalam a sociedade capitalista e são resolvidas (ou adiadas) com o sacrifício das camadas mais pobres da população, acentua o crime de uma elite exploradora que oprime a maioria dos cidadãos e esbanja a riqueza concentrada nos meios financeiros que pertencem as suas famílias.

Nesta fase a que o mundo chegou, de visível exploração criminosa dos mais desamparados socialmente em cada nação, da falência da gestão capitalista dos meios financeiros e de produção globalizados que exige uma expansão do poder imperial sobre as nações dotadas de riquezas naturais através de guerras destruidoras (nas regiões antes colonizadas e agora independentes) e diante da catástrofe planetária causada pela exaustão dos recursos naturais pelos desmandos capitalistas, surge uma auto-crítica honesta de cientistas e políticos defensores dos sistemas vigentes com propostas de alianças nos passos de construção de nações independentes em um mundo equilibrado e sem privilégios de elites.

A China deu o exemplo adotando um caminho aberto aos aspectos construtivos do capitalismo e rejeitando o poder externo que anularia a sua independência, no que tem sido seguida pelo Vietnam e Cuba. Os Estados Unidos pretenderam ir ao encontro deste diálogo com aqueles que sempre tratou como adversários, elegendo um candidato democrata com um discurso pacifico. Mas as forças imperiais continuam a pressionar o poder militar e financeiro para o caminho expansionista e de dominação guerreira. Alguns analistas referem o custo da infra-estrutura de guerra (calculado em trilhões de dolares em armas e soldados, milhares de mercenários) que em um mundo pacífico se tornaria inútil. Para contornar tal problema, Obama fala em retirar o exército e deixar milhares de assessores para reorganizar os paises invadidos.

O problema dos que antigamente eram chamados de rebotalho de guerra, isto é pessoas sem formação cívica e especializada ou vítimas dos traumas psicológicos da guerra, que ficam sem emprego causando problemas sociais nos seus próprios paises, sempre foi conhecido. Torná-los assessores para os países em desenvolvimento sempre foi a solução dos países ricos às custas das nações em desenvolvimento. Trata-se de uma maquiagem tão mentirosa como os pretextos para declarar guerras. Infelizmente para os povos dos países imperialistas, é lá que o problema dos rebotalhos deve ser digerido.


Cada nação tem a sua história

As mudanças ocorridas na América Latina neste início de milênio nem sempre são compreendidas como parte fundamental de um processo de evolução com meta revolucionária sendo, no entanto, imprescindível aos países subdesenvolvidos para atingirem o patamar da independência. Se tais modificações constituem base para um caminho revolucionário com meta socialista, dependerá da organização das forças populares nesse sentido e do fôlego dos lideres renovadores diante da oposição conservadora e reacionária que não deixará de usar todas as armas à sua disposição: da manipulação das noticias à sabotagem criminosa.

O que é certo é que cada povo tem as suas características próprias, o seu caminho, a sua história, portanto as suas condições específicas a serem respeitadas, os seus problemas a serem resolvidos para alcançarem a independência nacional, o grau de desenvolvimento alcançado.

Apesar das riquezas existentes no continente americano, que ainda estão sob o domínio das elites nacionais e dos tentáculos do imperialismo, herdeiros da velha colonização europeia, a modernidade implantada é uma capa que mal veste as vastas áreas dos territórios nacionais. Fala-se em manchas de pobreza. Na verdade existem manchas de desenvolvimento, de moderna tecnologia, de recursos científicos, por onde saltam os talentos que concorrem no mundo globalizado. São como tesouros dispersos na natureza que, mesmo presentes no cenário mundial, não chegam a ser conhecidas pela população do seu país que, maioritariamente, não tem acesso aos benefícios da sociedade. Esses expoentes da cultura, da arte, da ciência, da técnica, são jóias cujo valor não pertence ao seu povo carente de organização social que lhe propicie boa saúde, escolas, alimentação de qualidade, habitação saudável, recursos de vida moderna e possibilidade de usufruir a modernidade..

A distância que separa as ilhas de desenvolvimento dentro do território mergulhado no subdesenvolvimento é tão grande como a que vai do salário mínimo aos lucros obtidos anualmente pelos bancos e empresas multinacionais. Mesmo assim, a América Latina caminha no sentido da libertação, tendo consciência de que se trata de um longo caminho cercado de perigos por todos os lados.

A eleição de Lula foi inspiradora para os povos vizinhos que decidiram expulsar a velha oligarquia afilhada do imperialismo, instalada secularmente nos seus governos nacionais. Foram apoiados por Chaves, na Venezuela, que com o poder do petróleo e o exemplo de Fidel Castro, fala alto com os antigos opressores que o tentam calar e propõe o caminho da revolução Bolivariana. Foi o êxito de um processo político e social, que germina há várias décadas sob governos autoritários disfarçados de democráticos.

Apesar das dificuldades que o Governo de Lula encontra para vencer os estreitos limites impostos pelas heranças enraizadas do neo-capitalismo e da submissão ao imperialismo, o povo mantém o seu apoio eleitoral mesmo que tenha de reclamar das carências e das injustiças que o poder presidencial não consegue controlar. É a imagem do líder que atrai os que lutam pela democracia, do homem simples, povo como a maioria no Brasil, que sempre foi vítima da elite durante toda a vida e mesmo agora, na Presidência.

O domínio oligárquico que teve origem no modelo colonial que gerou a nação, está entranhado na cultura política do povo que sempre viu a história comandada por personagens ou famílias que controlam as instituições sociais e políticas de acordo com os seus interesses de classe. A impunidade permanente da elite, os desvios do dinheiro público e a venda do patrimonio nacional, sempre obedeceram às conveniências da classe política dominante e não à necessidade do povo, a justiça social, a dignidade nacional. Os valores éticos ficam soterrados na estratégia de domínio dos oligarcas e seus parceiros, ou mentores, internacionais. As metas são definidas como o exito da elite e o aumento dos lucros das empresas.

Levar um homem do povo a ocupar um lugar antes cativo da elite oligárquica, é um passo de gigante para aqueles povos que estão agora aprendendo o que é ser cidadão e ter um Estado a favor do desenvolvimento nacional. Na Bolívia escolheram o líder indígena, no Uruguai o combatente das ditaduras, no Paraguai o antigo bispo da teologia da libertação, no Equador um valente homem de bem, na Argentina a esposa de quem fez uma boa presidência. Cada história constrói os seus líderes populares que substituem no poder executivo a antiga classe mandante que tudo fez para conservar o subdesenvolvimento que mantinha o continente latino-americano nas condições de colonizado.

Pela mão desses Presidentes populares que buscam a unidade latino-americana contra os imperiais, os povos apoiam as lutas que permaneceram vivas durante décadas de ditadura e integradas na sua própria cultura. A fé nos deuses indígenas corresponde à dos militantes católicos na sua versão ideológica libertadora que comunga com o trabalho incansável dos ateus comunistas. Cada povo com a sua realidade, com o seu significado cultural, com a imagem dos seus próprios heróis. A unidade entre eles é imprescindível para enfrentar o imperialismo que oprime todos da mesma maneira, afogando-os no atraso e na espoliação, e pelas classes dominantes, que nasceram durante a colonização moldadas pelos países ricos, como seus testas de ferro e se definem pelo egoísmo e a ganância individual.

A identidade de condições de subdesenvolvimento e dependência internacional irmanou as nações latino-americanas. Esta constatação foi o segundo passo de gigante dado no continente. Daí a luta pelo MERCOSUL e contra a ALCA que engloba os países fortes do norte, parceiros imperiais. A história segue devagar, se pensarmos que Cuba há 50 anos fez as suas mudanças essenciais. Contava, então, com o apoio de países socialistas. Nem todos os que seguiram o mesmo exemplo, mas em condições diferentes, tiveram êxito. A Nicarágua agora retomou outra vez o caminho da libertação, no bojo das transformações que ocorrem nos países do sul, e vai em frente, o que inspira a América Central e reforça a do Sul unindo-as na luta latino-americana.

Os processos dão-se lentamente, germinando de dentro para fora em cada região, superando entraves económicos, culturais, políticos que condicionam as estruturas sociais. Uma análise meramente teórica não supõe, para traçar o caminho revolucionário que conduz à independência, necessidades intrínsecas das comunidades que se diferenciam não apenas pelos recursos naturais existentes mas também pela história secular que traçou a sua consciência, os seus medos e anseios.

Todo este processo que move os subterrâneos das sociedades latino-americanas e, no segundo milênio da história da humanidade, eclode com a eleição de líderes populares, constrói de baixo para cima a consciência de cidadania a partir do estancamento da fome, da educação escolar, da organização das comunidades em cursos profissionalizantes e em micro empresas que têm lugar no quadro institucional que se quer democrático. É o impulso da real participação popular na vida nacional, que até então apenas constava da letra constitucional. Este é o terceiro passo de gigante que liberta os latino-americanos e os leva ao diálogo com os demais continentes com autonomia e independência.

Os êxitos desse desenvolvimento interno, de baixo para cima, são constatados no Brasil, na Venezuela, um pouco por toda a parte. Têm produzido brilhantes profissionais e exportado produtos valiosos que encontram acolhida em centros culturais da Europa e no mercado internacional, de onde chegam todas as formas de solidariedade desde o investimento financeiro à formação profissional. As televisões mundiais já não podem omitir esta revelação, levando aos povos mais ricos os exemplos para superar as próprias manchas de subdesenvolvimento que também existem nos seus países.

Os defensores da democracia estudam os métodos didáticos que transformam meninos de rua em bons profissionais sociabilizados, que vencem o poder do crime organizado da riqueza fácil com a valorização do humanismo construtivo, que combate a marginalização com recursos culturais de integração social. Atualmente os que estudam as ciências das religiões e procuram vencer os velhos preconceitos que impedem o convívio respeitoso entre as diferentes crenças, encontram neste processo de desenvolvimento a chave para o seu êxito.

Assim também na área economica empresarial combate-se o tradicional autoritarismo que distanciou de tal forma as classes sociais que os pobres deixaram de participar do mercado por falta de poder aquisitivo. Não se atribui mais um mero “idealismo”, uma “utopia”, aos que trabalham pela integração de toda a população na vida social. Reconhece-se a necessidade até mesmo para o sistema capitalista de que a dinâmica financeira não deixe de fora os maiores contingentes populacionais. Não basta acabar com a fome, para que não morram. É necessário permitir que todos sejam cidadãos, com deveres e direitos, com poder aquisitivo para consumir, o que gera a democracia. A elite não precisa ser “generosa” mas sim deixar de ser ignorante para investir na melhoria de vida do povo que garantirá a dinâmica do seu próprio crescimento financeiro.

Os grandes empresários estudam a possibilidade de expandir o micro-crédito não para ganharem os céus, mas por lucidez de capitalista. As religiões continuam a demonstrar que “será mais difícil um rico entrar no Reino do Céu que um camelo passar pelo fundo de uma agulha”. Mas há quem sonhe poder ensaboar o rico devidamente para o fazer deslizar . Há “utopias” para todos os gostos. Enquanto se multiplicam as experiências alternativas a humanidade desenvolve a consciência com o conhecimento direto da sua realidade e cada nação escolhe as ferramentas com que mais se adapta para sair do atraso e da submissão.

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Zillah Branco

Itanhaém/2010

sábado, 31 de julho de 2010

A FRAGILIDADE DO ESTADO DEMOCRÁTICO

Habitualmente o Estado é referido como uma entidade abstrata, sem ideologia e sem rumo próprio, como umaestrutura técnica de administração nacional. Tem as costas quentes para responder por todas as injustiças e incompetências que se sucedem, muitas delas sob a manipulação de forças dominantes particulares que se disfarçam no jogo político, econômico e social. A população que é mantida alienada pelos cursos de formação mental, transmitidos 24 horas por dia pela mídia privatizada, reclama indistintamente como se o Estado fosse uma Mãezona disposta a qualquer sacrifício para satisfazer a todos os filhos. Estes pensamentos foram herdados da cultura oligárquica que herdamos do tempo colonial em que o conceito medieval religioso de que nascemos para sofrer o nosso destino, e de que tudo de bom nos acontece generosamente propiciado pela elite privilegiada que ocupa o poder. Assim a elite anda sempre junto a Deus e a massa ignara agüenta o inferno pagando dívidas desconhecidas.

Com o desenvolvimento de uma consciência de cidadania, cada um foi estimulado a defender os seus direitos perante as instituições do Estado que o recebem: de saúde, de ensino, de previdência social, da receita, da polícia e outras menos freqüentadas no dia-a-dia. Notou-se uma mudança no atendimento desde que o Governo iniciou recentemente a defesa da prática democrática. Aumentou o número de cidadãos em busca de soluções para os seus problemas e surgiram alguns porta-vozes dos direitos de cada um que se defendem valentemente dando o exemplo de conduta cidadã para ajudar aos mais tímidos.

É preciso não esquecer que a cultura oligárquica conserva rigidamente a idéia de superioridade, (no saber e no poder que são confundidos propositalmente) dos que falam pelo Estado e a subordinação tipo escravo-ignorante-por-origem (de classe ou racial) que se alastra entre as camadas pobres e trabalhadoras.

Certamente para mudar os preconceitos herdados através de séculos de domínio elitista não houve nenhum curso de boas maneiras para evitar distúrbios, e os pioneiros da democracia agiram com a indignação de quem se descobriu oprimido e lesado por serviços públicos pagos pelos impostos que entrega com sacrifício. Sem papas na língua, com a valentia que a dignidade pessoal e de classe trabalhadora inspiram, a paciência é curta e a raiva é incontrolável. A maioria dos servidores públicos reagiu com a soberania que aprendeu a usar, autoritário ou inerte. Logo surgiram os avisos colados em todas as paredes das salas de espera com a proibição legal de desobediência ou agressão verbal ou física, com a devida ameaça de punição policial.

Consultando a fundamentação jurídica vamos ver que o funcionário público nunca pode ser culpado pelos erros cometidos pelo Estado. Ele pode ser incompetente, inerte, desinteressado, malandro, autoritário etc. que o cidadão fica em suas mãos, calado e bem educado. É que as leis também foram feitas para proteger o Estado abstrato. Então, como e a quem reclamar os direitos desrespeitados? 

Alguns recomendam o PROCON ou o Fórum, mas na verdade estas instituições não tratam de reclamações contra o Estado. Apesar de terem sido criados Juízos Especiais Federais para receber os insatisfeitos, este recurso existe aparentemente clandestino porque os advogados, inclusive os atendentes de Fóruns e das insitituições de Estado desconhecem ou fingem desconhecer. Há uma forte aliança entre Estado abstrato e o corporativismo dos advogados, que obriga o cidadão a contratar e dar procuração ampla para o profissional da advocacia defende-lo com todas as mesuras convenientes dentro do ambiente jurídico (superior ao comum dos mortais) que defende a abstração do Estado. Assim, a distância entre o cidadão pé-de-chinelo como é a maioria, e a Mãe-Estado dos que usam a lei como cacetete, é democraticamente intransponível.

Mas, mesmo que se descubra um caminho para pedir ajuda ao próprio Estado (sem precisar de advogado para representar o cidadão) para solucionar os problemas que nas instituições ninguém assume, a responsabilidade para defender os direitos do cidadão, exigem coragem, disponibilidade de tempo e recurso para transporte – que a maioria dos trabalhadores não pode ter considerando que isto põe em risco toda a família (já que o dinheiro é curto, o tempo escasso e as ameaças policiais ainda pesam sobre o responsável familiar).

Então existem as Ouvidorias. Melhor ainda, desde que se pode contatar por telefone gratuito ou internet. Quem já recorreu alguma vez contando a sua história de impotência perante a lei para defender os seus direitos, ficou decepcionado na maioria das vezes. Os programas informáticos jogam o cidadão de um lado para outro pedindo números de documentos sem avisar que não devem ser teclados os espaços ou vírgulas e suspendendo a página com a demora no preenchimento. Se, por acaso, o cidadão já está mais avisado dos truques habituais, e faz a queixa recebendo um número de protocolo, pode esperar sentado que a resposta não vem. Se reclamar uma, duas, dez vezes, recebe a gentil resposta de que "o problema está sendo estudado"durante meses e anos. A única vantagem de se fazer a reclamação por telefone ou internet é que se perder a paciência ninguém ouve e a lei não ameaça com prisão. Haja saúde para evitar o estresse! E esta novela pode durar anos (tenho provas), até que o cidadão desista por cansaço ou por morte.

Vamos pensar com calma, já que aceitamos fazer aliança com possíveis adversários que talvez até deixem de o ser: o Estado não é uma entidade abstrata; em um Estado democrático não há soberanos; a lei não pode existir para proteger os que não executam plenamente a sua função no Estado; o cidadão não pode ser calado por ameaça jurídica sem que lhe sejam facultados outros caminhos para resolver os problemas. Todos concordam que deve haver respeito no trato com qualquer cidadão, seja ele funcionário ou não. Se houver descuido ou incompetência no encaminhamento dos processos, alguém da estrutura do Estado deve ser responsabilizado, mesmo que seja a chefia direta ou superior que criou dificuldades para que os problemas não possam ser solucionados em tempo hábil. Sempre há alguém de carne e osso atrás de uma decisão mesmo que seja apresentada por um programa informatizado. Esta alegação de que o sistema não aceita, é conversa furada e anti-democrática.

Somos a favor de um Estado fortalecido, não autoritário e protetor dos seus amigos e parentes, incompetente e cínico. O Governo de Lula tem ensinado não apenas ao Brasil, mas ao mundo que o Estado deve ser vitalizado para suportar a defesa dos direitos de cada cidadão (de forma ordeira); que os corruptos e ladrões devem ser expulsos, presos e com a devolução do dinheiro público; que diante de uma crise do sistema capitalista poderá ajudar as instituições privadas evitando as falências mediante uma intervenção saudável do poder público que fiscaliza e impõe regras democráticas. Hoje temos a satisfação de ver que até o presidente Obama, amarrado nos limites do velho imperialismo, tenta introduzir nos Estados Unidos estas medidas de fortalecimento do Estado para salvar a economia esbanjada pelas grandes empresas apátridas. Foi uma vitória impor o Federal Reserve na correção dos erros de gestão financeira dos privados.

É preciso rever o funcionamento de cada instituição de Estado para que não seja necessário impor pela lei que o cidadão agüente tudo calado, estressado, doente até ser liberto pela morte. O Estado não será mais um instrumento de poder da elite que, por definição, é apátrida, egoísta, desumana e malévola (com o devido respeito para não ferir a lei).

Vale à pena acompanhar os corajosos passos do presidente do Uruguai:  José Mujica, voltou a insistir na necessidade de reformas para poder alcançar um Estado "vigoroso, forte e puro músculo", entre outras coisas, como forma de garantir a necessária distribuição da riqueza no país. No programa "Fala o Presidente", transmitido pela emissora M24, o mandatário disse que não será fácil implantar o "sentido de pertencimento" entre os funcionários públicos que deverão compreender que "a honra de trabalhar no Estado reside no fato deste trabalho estar ligado à sorte geral de toda a nação".

Na parte central do programa, Mujica voltou a se referir à necessária transformação do Estado. Ele disse que, quando fala destes temas, "algumas pessoas se sentem ofendidas ou agredidas. O problema não é de caráter pessoal e muito menos é com os funcionários públicos, que não são outra coisa do que a conseqüência de uma hipertrofia muito maior e mais genérica, que anda de mãos dadas com nossa própria história, com a nossa própria construção nacional.Há gente que sonha com leis, que acredita que as mudanças em uma sociedade necessitam de uma avalanche de leis; e não é que as leis não tenham importância, para além da que têm, e ai dos homens se não existirem garantias de direito que em alguma medida nos regrem, nos regulem, nos ordenem, nos imponham limites."

                                                                              Zillah Branco