O Brasil tem uma carência institucional herdada do modelo de colonização e consolidada pela forma como se tornou independente: foram criadas as imagens de uma estrutura, com leis e serviços públicos, copiadas à Europa e adaptadas pelo chamado “jeitinho brasileiro” às condições nacionais displicentes e alienadas. O conteúdo manteve-se fluido para ser mais facilmente manipulado pela elite que ocupa o poder. Para “fazer de conta que existe” ou apenas “para inglês ver”, conforme o domínio político existente em cada época histórica.
Os defensores do “Estado Mínimo”, do período neo-capitalista que Lula venceu, talvez não tenham conseguido nada pela pouca diferença que o amorfismo do Estado (deixado pela ditadura militar que centralizou o poder) fazia do que se pretendia “minimizar’. Muito diferente da experiência de outros países da América Latina e principalmente da Europa que tinham construido um Estado com sólidas instituições que, por efeito do modelo neo-capitalista implantado ditado pelos Chicago-boys, perderam conteúdo guardando apenas a forma.
Com a prática oligárquica a estrutura do Estado foi sempre manipulada pela elite mais poderosa e pelos seus representantes que usufruiam do emprego e, com ele, do status social que se traduz em poder pessoal. As leis acompanharam a mesma tendência, de modo a confundir a pessoa do servidor público com a própria instituição para ameaçar o cidadão que protestar ao ser mal atendido. Em vez de sagrarem a função para defendê-la, sagraram o ocupante do cargo que em verdade representa o poder de uma elite mandante e não, o que deveria ser, um poder democrático.
O Estado não funciona
O hábito de culpar o Estado pelo mau funcionamento das instituições criadas para prestar serviço ao cidadão brasileiro, sempre foi incentivado pelos que confiam no poder de uma oligarquia que favorece os seus parceiros, os seus amigos, os seus protegidos, os seus eleitores. Falam mal das instituições e do próprio Estado para valorizarem as pessoas que ocupam e usam o poder de acordo com os seus interesses. Esta mesma oligarquia, que herdamos do tempo colonial, sempre usou o Estado para dar emprego aos seus apadrinhados, não para executar uma estratégia de desenvolvimento nacional e de apoio à toda a população. Para a elite o Estado faz-de-conta que atende o povo de maneira a que ele possa ser beneficiado como cidadão perdido na multidão desgraçada pela pobreza.
Para defender o “Estado Mínimo” e justificar as privatizações que interessavam às empresas nacionais e estrangeiras, explicavam que o Estado não tem competência para administrar e gerir, precisa da inteligência e produtividade privadas. Assim venderam a lucrativa empresa Vale do Rio Doce e avançaram na venda de ações da PETROBRAS de modo a que o Estado deixou de ser o maior acionista, desnacionalizando-a.
Lula introduziu o projeto de democratização do Estado e os seus seguidores trabalharam arduamente para corrigir os defeitos elitistas que predominavam na função pública. Fortalecendo a consciência do cidadão brasileiro foi possível contar com a atenção permanente de grande parte do povo que fiscaliza o atendimento das instituições e recorre aos organismos encarregados de ouvir as reclamações e melhorar o funcionamento dos serviços públicos. Ao contrário da velha oligarquia defende-se uma estrutura democrática de poder capaz de oferecer soluções aos problemas de toda a população, e não o valor pessoal de alguns mandantes “generosos” que escolhem quem deve ser beneficiado pelo Estado.
Participação cidadã
Não é fácil criar o hábito de todo o cidadão participar com o Governo na transformação social e, sobretudo, confiar nos responsáveis pela administração pública. O medo de despertar antipatias e represálias persecutórias de funcionários poderosos é muito forte devido à prática do domínio oligárquico em todo o país, que só agora começa a ser combatida. Esta é uma tarefa árdua e permanente que deve acompanhar o cidadão que tem a coragem de afirmar a sua dignidade participando da luta pela melhoria das condições de vida nacional. Ainda existem maus elementos capazes de abusar do poder pessoal que têm devido ao cargo que ocupa em uma instituição pública para impor os seus vícios e privilégios que desrespeitam o cidadão e atraiçoam a verdadeira função do Estado.
Sem participar na vida nacional a população perde a cidadania a que tem direito em um Estado democrático. Aceita a dominação dos mais fortes, perde a auto-estima, serve aos interesses alheios, deixa-se escravisar.
A coragem de participar depende da confiança que se tem na justiça assegurada em toda e qualquer instituição do Estado. Depende da liderança no processo político de luta em curso na sociedade e no perfil democrático do Governo. Sob o domínio oligárquico só os seus apadrinhados tinham alguma confiança porque se sentiam “passiveis de proteção pessoal”. Os demais tinham medo tanto de uma legalidade duvidosa quanto do mau humor do funcionário que o atendesse. Desconheciam-se os direitos dos cidadãos e da possibilidade do recurso à uma legislação pautada pela justiça e pelo respeito humano. O fundamento democrático dos serviços públicos restaura a segurança social que propicia também a participação solidária dos cidadãos.
Se o cidadão é punido por denunciar o mau atendimento que sofreu ou se perceber que houve qualquer forma de represália por parte de quem foi denunciado por incompetência na prestação de serviço público ou abuso de poder através das vias administrativas existentes - chefia, coordenadoria, ouvidoria -, a sua participação foi negada, assim como o espírito democrático do Estado. Tal situação ainda é bastante comum no Estado brasileiro onde é fomentada uma falsa solidariedade com os servidores públicos considerados “vítimas” dos cidadãos. Mesmo a legislação deixa de considerar os funcionários como responsáveis pelos erros cometidos, atribuindo-os de forma abstrata ao Estado, sem averiguar quais as origens do erro que podem ser pessoais, coletivos ou de chefia.
Cidadão integrado no social
Outra capacidade necessária à relação das instituições do Estado com os cidadãos é a de integrar o ponto de vista individual em uma visão mais ampla, do coletivo e social.
Naturalmente a primeira forma de reclamação é inspirada na defesa dos interesses individuais, o que quase sempre leva a um confronto imediato com a pessoa que presta serviço sem oferecer resposta satisfatória, provocando emoção e agressão descontrolada. Pensar que o problema não é individual, mas coletivo, permite ao cidadão desenvolver um raciocínio mais amplo que o curto ponto de vista individual e dinamizar todo um processo de recursos através dos próprios mecanismos do serviço público que vai colaborar no sentido da correção interna das condições de atendimento.
A defesa pessoal parece egoista e arrogante, a defesa coletiva não subentende privilégios. Por outro lado, se a informação do servidor é de que “entende as razões do cidadão” mas não tem recursos no serviço para solucionar o problema (é comum ouvir-se: “o programa não prevê esta questão”, ou “o procedimento é alheio à sua questão”, “o computador não responde”), o cidadão deve ser encaminhado a outro setor capaz de responder ou a um organismo onde poderá registrar a sua queixa ou denúncia. Só assim a oposição do cidadão deixará de transformar o servidor público em vítima e, pela sua participação o Estado terá elementos para rever os procedimentos de modo a poder atender à todas as questões existentes.
Responsabilidade e exemplo
Quando vemos um Ministro do Supremo Tribunal (e há casos concretos para serem citados) protestar com indignação ao ouvir um seu colega dizer que a exigência da Ficha Limpa para moralizar a eleição partiu da vontade popular: “se o povo toma decisões que passam a ser lei, o que estamos fazendo aqui?” - ficamos surpreendidos ao perceber que nem todos os altos funcionários do Estado concordam com a democracia e abdicam dos seus privilégios elitistas. Aquele protesto é de quem está convencido de que é superior ao povo, de que foi atropelado pela ralé, de que lhe faltaram ao respeito, de quem sabe pensar é quem tem um cargo elevado no Terceiro Poder, o Judiciário. O cidadão que adquiriu consciência democrática só poderá concordar em que aquele Ministro não deverá estar ali quando existir democracia, precisa ser reciclado ou substituído.
Já ficou no passado o hábito de um representante da elite condenar um cidadão com a simples frase : “Sabe com quem está falando?”, que afirmava o seu poder pessoal contra qualquer argumento. O peso cultural dos preconceitos é difícil de ser extinto, principalmente se do alto da estrutura de poder ainda surgem tais exemplos. A democratização do comportamento nacional deverá se afirmar de cima para baixo, assim como a moralização, ao contrário do poder social que vai do povo para os que o representam. Parece elementar, mas o que é óbvio nem sempre é percebido por pessoas que não superam uma cultura oligárquica.
Dizem que D. Pedro I, quando defendia a Independência do Brasil, afirmava: “Tudo farei para o povo, nada pelo povo”. A elite evoluiu pouco nestes duzentos anos apesar do discurso democrático ter sido adotado para cativar os eleitores com a ascensão do regime republicano.Os movimentos de libertação nacional, com a participação popular, abriram caminho para o entendimento da democracia, mas foram combatidos sempre pela elite aferrada aos seus privilégios. E ainda hoje é assim, mesmo quando importantes passos são dados para a criação de um Estado efetivamente democrático “para tudo fazer pelo povo e para o povo”. É mais fácil alterar a estrutura dos serviços e criar uma legislação democrática, mais visiveis devido às características formais, que as idéias e os hábitos dos mandantes. O conservadorismo está entranhado na cultura e se revela através dos preconceitos que marginalisam os indefesos, e do autoritarismo que esmaga a dignidade alheia.
Liberdade de expressão
Para haver participação social e integração dos cidadãos à dinâmica transformadora da sociedade é necessário assegurar a liberdade de expressão. Serão estabelecidos limites para manter o respeito humano de todos os envolvidos e para disciplinar de forma positiva o diálogo social. Este é um tema que tem sido discutido apenas na área da comunicação social – a liberdade de imprensa – confundindo-se frequentente a liberdade de expressão cidadã com o poder de empresas que se fortalecem ao nível economico, social e político, como se fossem um Quarto Poder, comparável ao Judiciário que deve ter liberdade e ser transparente para realizar a sua função ao lado dos Poderes Executivo e Legislativo no governo nacional. As empresas de comunicação social estarão, como os cidadãos, dependentes das normas de comportamente social oficialmente estabelecidas, cada qual dentro do seu nível de responsabilidade regulado judicialmente.
Não cabe ao cidadão ou à empresa, decidir sobre matéria que possa afetar a vida social sem ouvir os organismos conselheiros do Estado. Não se trata de censura mas sim de equilibrio para evitar consequências que não são fácilmente previstas por exigirem um conhecimento amplo de todas as implicações sobre a dinâmica social. Atualmente os meios de comunicação social passaram a driblar a legislação aplicável à imprensa, quando ultrapassam os limites da sua liberdade fazendo uso dos recursos existentes na internet - que são instrumentos de responsabilidade civil – os blogs e outros meios virtuais para complementarem a sua programação midiática.
Zillah Branco
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