sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Nós, o Estado

A militância político-social é antiga na história da humanidade. Em todos os tempos procura-se chegar ao controle do Estado para introduzir soluções que atendam com igualdade toda a população, e se este caminho parece truncado e impedido pela força da elite dominante, os militantes caminham sozinhos ou em pequenos grupos levando a parcelinha de instituição do Estado que conseguiu segurar para transmitir fraternalmente ao povo desamparado. São cidadãos dotados de algum recurso educacional, financeiro, profissional, de formação cultural adquirida em escolas, igrejas, partidos políticos, com os recursos que o Estado tem, mas só oferece a uma minoria.



O primeiro passo desses militantes é uma intuição humanista que forma a sua personalidade. Depois vêm as leituras, os estudos, os debates com outros, o enfrentamento da vida que amadurece o indivíduo tornando-o um cidadão que absorve os benefícios institucionais do Estado. A história do Brasil nos século XX registra alguns exemplos do esforço de heróis que tentaram levar pessoalmente os valores de um Estado democrático para defender as populações que se encontram marginalizadas da proteção institucional. Exemplos como a Revolta da Chibata, dirigida pelo marinheiro João Candido que assumiu com competência a função de almirante nos encouraçados São Paulo e Minas Gerais; a Guerra do Contestado no sul do país contra o poder arbitrário dos latifundiários; a Coluna Prestes dirigida por um jovem capitão do exército que com seus companheiros vindos do movimento tenentista atravessou do sul para o oeste, no interior mais sofrido do país, até o nordeste, 25 mil quilômetros levando o exemplo democrático que faltava ao Estado dominado pela oligarquia em uma ação pacificadora.



Em resposta ao longo período de ditadura militar em 1964, perseguidos na ação política partidária de esquerda e nas iniciativas solidárias de proteção popular, milhares de militantes encontraram nas favelas e nas regiões mais abandonadas do país, oportunidade para exercerem a sua solidariedade levando os benefícios democráticos do Estado que o governo da época negava. Surgiram escolas, auxilio médico, formação profissional, organização de moradores, pólos artísticos, que geravam uma consciência de cidadania a partir do conhecimento dos direitos constitucionais. O regime autoritário, no entanto, criou condições para ações criminosas que dominaram com um poder paralelo, anti-Estado, fortemente armado, que se apresentava como a proteção dos mais pobres. Era o crime organizado que se infiltrava na sociedade desempenhando o papel de protetor nas comunidades pobre, de policial e político responsável pela ação do Estado.



Esta herança maldita deixada pela ditadura, que introduziu como método vulgar a corrupção em todos os níveis da sociedade, que começou a ser extirpada com a introdução da democracia como meta do Governo Lula. Os militantes voluntários encontraram outro clima favorável ao trabalho nas periferias, os partidos populares tiveram a oportunidade de impulsionar as transformações de modo a que o Estado deixasse de ser feudo da elite, as organizações policiais deram início a uma limpeza interna para acabar com as infiltrações e alterar a sua função de repressão para a de proteção dos cidadãos, e a população passou a acompanhar de perto o trabalho dos três poderes e a exigir o fim da impunidade e da presença de pessoas com a “Ficha Suja” nos organismos do Estado.



A “guerra ao crime organizado” no Rio de Janeiro inaugurou uma nova fase democrática da proteção civil que uniu as forças policiais e o exército nacional no combate a um poder paralelo que dominava setores populares transformados em marginais. Até a mídia foi absorvida na campanha que uniu a população com os representantes do Estado, fazendo uma cobertura exemplar e divulgando a nova orientação aplicada no Brasil.



A raiz dessa mudança é a mesma que tantos militantes de diferentes origens filosóficas e sociais procuravam há mais de um século: a missão pacificadora levada a quem não recebia o apoio do Estado e vivia em condições de marginalidade. Saibamos defender esta conquista impedindo que oportunistas e criminosos voltem a usar a imagem protetora do Estado em benefício de interesses privados.