terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Formar lideranças para salvar populações


Na hora H do desastre climático e social, o Brasil descobre que além do desenvolvimento tecnológico e do aparelhamento da proteção civil, faltam ao Estado competências funcionais para coordenar as lideranças espontâneas que o povo organiza para salvar vidas. Desnuda-se o fosso mental que separa a elite que ainda domina o Estado e a grande massa que o dinamiza.

Estas são conclusões da maioria dos observadores da catástrofe que se abate sobre várias regiões brasileiras, desde os especialistas da ONU a todos os investigadores científicos e professores brasileiros, além dos cidadãos brasileiros. Reclamam publicamente que os seus estudos, projetos, ou informações colhidas no resto do mundo, têm sido engavetados por falta de aceitação política. E assim as cidades continuam a ser construídas com os erros, já apontados, através de décadas, tornando inúteis todo o investimento intelectual e tecnológico feito pelos profissionais especializados.


O povo percebe que em cada núcleo de atividade, técnica e científica, existente nos meios universitários que permanece isolado da realidade popular pela elite, existe o mesmo esforço pelo desenvolvimento nacional em bases democráticas, ou seja, para levar os grandes investimentos no campo educacional e científico a prestar serviços diretos à população. E mais, que estes sérios cientistas e técnicos estão cansados de denunciar o mau uso do patrimônio adquirido por universidades e institutos de investigação que permanecem parados e desconectados da realidade nacional, inúteis na hora do desastre.

A Globo News promoveu um debate entre filósofos universitários (8/1/11) que tiveram o desplante de reconhecer que o nível do ensino está sendo prejudicado pela democratização da sociedade. Reconhecem que a “aristocracia” intelectual, brilhante no país, está sendo atropelada e não pode sequer falar em “elite intelectual”. Têm razão - graças ao fim dos governos neo-liberais, para não dizer graças a Deus!, que é a expressão cultural popular. Mas deviam ter um mínimo de sensibilidade (ou de inteligência normal) para não se apresentarem como mestres em filosofia e ética e defensores de uma elite que nada entende da realidade presente e menos ainda de solidariedade humana.

Foi preciso ocorrer um desastre imenso, que provocou a morte de centenas de pessoas e um prejuízo econômico incalculável, para o mundo reconhecer que é urgente colocar os recursos técnicos e científicos a serviço das populações. A segunda grande descoberta é que a gestão municipal, estadual e nacional, deve criar laços de integração (deixando de lado a velha mesquinha luta pelo poder pessoal) para se socorrer solidariamente, ao mesmo tempo em que na sua intervenção local estabelece fortes vínculos com lideranças sociais que são alertadas para os problemas que os radares caríssimos indicarem dentro dos laboratórios.

Não precisava de muita alta filosofia para chegar a esta lógica “da batata” (como se diz em Portugal) que a população de chinelas usa no dia a dia: de nada adianta ter uma brilhante elite e uma alta tecnologia desligadas da energia, e a energia é social, e o seu funcionamento exige organização dos que têm capacidade de tomar decisões e liderar os trabalhadores voluntários. Simples para o comum dos mortais.

São muitas as mudanças a serem feitas para habilitar o Estado brasileiro a funcionar como democrático, mas não se pode esquecer a necessidade de reciclar os seus representantes na idéia de inclusão social e adaptação da linguagem e da cultura às necessidades populares.

 Ainda carregamos muitos arcaísmos do tempo dos soberanos que já deixaram de existir por inúteis socialmente. Por exemplo, como é que se pode exigir a uma pessoa que recebe uma penalização (de uma posição de classe média C escorregou para E) - sendo idosa e vitimada, recebe uma pensão mínima, paga em outro país, de 429 reais mensais) por culpa do INSS que há 10 anos não consegue somar todos os anos trabalhados para chegar ao cálculo de uma aposentadoria, que explique pedindo vênia, ao Meritíssimo Juiz que ele não foi justo ao considerar que a situação não é de “Periculum Mora” pois há rendimento. Primeiro é preciso entender o latim depois utilizar o tratamento de Meritíssimo, apesar de pensar que não somos romanos de há dois milênios, e que só tem mérito quem é capaz de saber que no Brasil não se consegue viver com menos que o salário mínimo. Quem tem tempo, saúde para não cair em desespero, paciência para aceitar o diálogo com tal representante do Estado?

No caso dos alertas sobre as catástrofes, como é possível debater uma gestão inteligente e democrática com um funcionário que recebe o aviso de que em 6 horas haverá um desastre climático e não consegue completar a ligação para transmitir às prováveis vítimas? Um líder popular, de verdade, não desiste ao encontrar impedimentos burocráticos ou inércia de indiferente alienado. Vai a pé ou em lombo de burro, usa megafone ou o próprio pulmão para avisar gente rápida e esperta capaz de substituir a tecnologia da comunicação que falha.

A crise econômica que afetou os países mais ricos e Lula explicou que no Brasil foi contornada por uma gestão competente orientada pelo Governo. Hoje sabe-se que o desastre econômico foi produzido exatamente pelas falhas de gestão empresarial que, além de desviar lucros fabulosos para a elite alimentou bolhas de especulação financeira que arrebentaram sem recursos próprios.

È desta gestão incompetente ou fraudulenta que o Estado Brasileiro precisa se libertar, para não ficarmos com as bolhas especulativas de uma elite meramente intelectual que detém o controle do patrimônio científico e tecnológico para a sua auto-promoção. Para isto impõe-se desde já a recolha das opiniões dos profissionais que há dezenas de anos propõem soluções para a organização das cidades e dos serviços sociais que os políticos de turno engavetam ou enrolam em linguagens esdrúxulas de uma aristocracia falida. 

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Nós, o Estado

A militância político-social é antiga na história da humanidade. Em todos os tempos procura-se chegar ao controle do Estado para introduzir soluções que atendam com igualdade toda a população, e se este caminho parece truncado e impedido pela força da elite dominante, os militantes caminham sozinhos ou em pequenos grupos levando a parcelinha de instituição do Estado que conseguiu segurar para transmitir fraternalmente ao povo desamparado. São cidadãos dotados de algum recurso educacional, financeiro, profissional, de formação cultural adquirida em escolas, igrejas, partidos políticos, com os recursos que o Estado tem, mas só oferece a uma minoria.



O primeiro passo desses militantes é uma intuição humanista que forma a sua personalidade. Depois vêm as leituras, os estudos, os debates com outros, o enfrentamento da vida que amadurece o indivíduo tornando-o um cidadão que absorve os benefícios institucionais do Estado. A história do Brasil nos século XX registra alguns exemplos do esforço de heróis que tentaram levar pessoalmente os valores de um Estado democrático para defender as populações que se encontram marginalizadas da proteção institucional. Exemplos como a Revolta da Chibata, dirigida pelo marinheiro João Candido que assumiu com competência a função de almirante nos encouraçados São Paulo e Minas Gerais; a Guerra do Contestado no sul do país contra o poder arbitrário dos latifundiários; a Coluna Prestes dirigida por um jovem capitão do exército que com seus companheiros vindos do movimento tenentista atravessou do sul para o oeste, no interior mais sofrido do país, até o nordeste, 25 mil quilômetros levando o exemplo democrático que faltava ao Estado dominado pela oligarquia em uma ação pacificadora.



Em resposta ao longo período de ditadura militar em 1964, perseguidos na ação política partidária de esquerda e nas iniciativas solidárias de proteção popular, milhares de militantes encontraram nas favelas e nas regiões mais abandonadas do país, oportunidade para exercerem a sua solidariedade levando os benefícios democráticos do Estado que o governo da época negava. Surgiram escolas, auxilio médico, formação profissional, organização de moradores, pólos artísticos, que geravam uma consciência de cidadania a partir do conhecimento dos direitos constitucionais. O regime autoritário, no entanto, criou condições para ações criminosas que dominaram com um poder paralelo, anti-Estado, fortemente armado, que se apresentava como a proteção dos mais pobres. Era o crime organizado que se infiltrava na sociedade desempenhando o papel de protetor nas comunidades pobre, de policial e político responsável pela ação do Estado.



Esta herança maldita deixada pela ditadura, que introduziu como método vulgar a corrupção em todos os níveis da sociedade, que começou a ser extirpada com a introdução da democracia como meta do Governo Lula. Os militantes voluntários encontraram outro clima favorável ao trabalho nas periferias, os partidos populares tiveram a oportunidade de impulsionar as transformações de modo a que o Estado deixasse de ser feudo da elite, as organizações policiais deram início a uma limpeza interna para acabar com as infiltrações e alterar a sua função de repressão para a de proteção dos cidadãos, e a população passou a acompanhar de perto o trabalho dos três poderes e a exigir o fim da impunidade e da presença de pessoas com a “Ficha Suja” nos organismos do Estado.



A “guerra ao crime organizado” no Rio de Janeiro inaugurou uma nova fase democrática da proteção civil que uniu as forças policiais e o exército nacional no combate a um poder paralelo que dominava setores populares transformados em marginais. Até a mídia foi absorvida na campanha que uniu a população com os representantes do Estado, fazendo uma cobertura exemplar e divulgando a nova orientação aplicada no Brasil.



A raiz dessa mudança é a mesma que tantos militantes de diferentes origens filosóficas e sociais procuravam há mais de um século: a missão pacificadora levada a quem não recebia o apoio do Estado e vivia em condições de marginalidade. Saibamos defender esta conquista impedindo que oportunistas e criminosos voltem a usar a imagem protetora do Estado em benefício de interesses privados.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Violência do crime organizado

Não há dúvida de que os dois mandatos do governo Lula plantaram na sociedade brasileira as sementes democráticas que agora, com Dilma, deverão ser defendidas e orientadas para a construção de instituições públicas livres do domínio oligárquico exercido pela velha elite mandante. Todos os que participaram dessa construção de uma dinâmica que implanta os princípios democráticos em cada expressão do Estado de Direito sabem que o caminho de transformação, com base nas alianças entre todas as forças sociais e políticas nacionais, é longo e exige tenacidade em cada passo.



Foram diferentes iniciativas, alterando a legislação e as normas administrativas, buscando a participação dos cidadãos para definir o caminho do país, analisando criticamente o funcionamento dos órgãos de serviço público, fortalecendo um sistema democrático de atendimento ao povo, combatendo preconceitos e abusos de poder que desvirtuam o papel do Estado, denunciando os obstáculos criados por uma oposição criminosa ao desenvolvimento social e estabelecendo os limites éticos da ação política e administrativa na gestão do patrimônio nacional. Foi aberto o caminho para que instituições verdadeiramente democráticas passem a definir o Estado e que a impunidade deixasse de entravar a justiça no país.



Vemos, neste episódio de guerra do narcotráfico contra as forças policiais do Rio de Janeiro, o quanto a sociedade evoluiu no tratamento dos problemas sociais afetados pela ação do crime organizado. A Segurança Pública do Rio de Janeiro, que há perto de trinta anos combate as ações criminosas que têm suas bases nas favelas onde vivem centenas de milhares de famílias de trabalhadores, foi agora organizada com fundamentos técnicos militares e conhecimento científico para entender o comportamento dos cidadãos envolvidos – de bandidos e de moradores inocentes – conduzindo com maestria um enfrentamento decisivo com um mínimo de vítimas pessoais.



O processo gradual que minou e desesperou os chefes do narcotráfico.tornou-se possível como reflexo do novo caminho aberto com a meta democrática. As forças militares e policiais de todo o país ofereceram a sua ajuda que foi sendo aceita na medida das necessidades para um confronto final e rápido. Não houve competição entre poderes, houve solidariedade nacional. Os tanques da Marinha, os aviões blindados da Aeronáutica, o apoio de militares para garantir a ordem liberando as polícias estaduais para darem seqüência ao plano de pacificação que vem sendo implantado em todas as favelas há longos meses através da fixação de UPP (unidades policiais de pacificação). Os especialistas em segurança pública, os analistas científicos e os militantes dos movimentos sociais concordam em que a polícia evoluiu de uma fase de vigilância, como poder externo, para a de ajuda integrada com os moradores. Só assim conseguiram quebrar a força de proteção popular exercida pelos criminosos e criar condições para que o Estado assumisse as suas funções e conquistasse a confiança da população.



Foram dados exemplos de profunda significação na chefia da Segurança Pública em contacto permanente com a população através dos telefones de apoio. Os erros denunciados, de ligação de elementos da Polícia com o crime organizado, de prática de violência contra civis inocentes, de abusos de poder – que desde a vigência da ditadura em 1964 se tornara habitual e assustador – foram banidos e a impunidade deixou de vigorar nas ações policiais e militares. Resta agora que o sistema judicial e carcerário nacional entre no mesmo caminho de saneamento tanto de leis inadequadas como de comportamento irresponsável que limita a luta da sociedade contra o crime organizado. No Rio de Janeiro, nesta semana, foram alcançados êxitos admiráveis de aliança democrática dos órgãos de segurança pública e a população que passou a participar solidariamente com confiança no Estado, e a adesão da mídia integrada aos objetivos de luta do comando unificado contra o crime organizado.



Todos os que elegeram Lula em 2002 e que o acompanharam dentro ou fora do aparelho governamental, sabem que o processo segue o seu curso, agora com Dilma, na consolidação das primeiras conquistas democráticas (são muitas, a começar do combate à fome e pela integração social da maior parte da população brasileira com benefícios institucionais e no desenvolvimento nacional com independência) e que a fase de consolidação das conquistas abrirá novos caminhos para aprofundar as mudanças. Todos sabem que novas formas de oposição vão surgir, dos que encontram apoio em forças criminosas antidemocráticas criadas para gerar o caos nas sociedades que se levantam. A história da humanidade apresenta este quadro em várias épocas e diferentes regiões do planeta. Surgem razões pessoais, questões transitórias, ambições de grupos políticos, que se unem para destruir o que o povo constrói.



Assim é a violência que se desencadeou recentemente no Rio de Janeiro para intimidar os defensores de uma estratégia pacificadora das numerosas favelas onde se escondem as redes do crime organizado. Assim foi a campanha de difamação que se multiplicou através da internet e dos meios de comunicação social que apoiavam a fraca oposição à eleição de Dilma. Assim agiram os colonialistas britânicos no Oriente Médio dividindo os territórios árabes, os colonizadores europeus da África e da Ásia semeando a discórdia entre povos vizinhos, e o imperialismo norte-americano que sucedeu ao colonialismo globalmente. Com características de atos isolados, de rebeldia de grupos que perdem seus antigos privilégios, são confundidos com situações de insatisfação populares e as suas causas atribuídas à incapacidade ou erros dos governantes. A responsabilidade da mídia nesses momentos é decisiva para evitar que a violência de poucos seja utilizada por interesses privados contra as mudanças democráticas.



As dificuldades que se avizinham são atenuadas pelos vigorosos passos dados no sentido da solidariedade real da população e de meios de comunicação social com o Estado na medida em que se reestrutura com os recursos do conhecimento científico das questões sociais e das metas democráticas.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Histeria política, arma do desespero

Nos momentos históricos em que germinam as violências radicais de direita, a sociedade é alimentada por uma onda de relatos infamantes e debochados dirigidos contra os cidadãos e os movimentos sociais e políticos que sempre marcaram a luta a favor do povo e do desenvolvimento nacional. Espalham-se murmúrios mesquinhos e pérfidos cujos autores se escondem no anonimato, corroem as relações humanas para quebrar laços familiares e de amizade que existem apesar de diferentes posições ideológicas. Funciona como um caldeirão de maledicências, falsas acusações e velhos preconceitos raciais e de classe para eliminar o respeito e a solidariedade, condições básicas para a vida em sociedade, que unem a humanidade no enfrentamento dos problemas que a vida levanta.



Enquanto atingem o coração do relacionamento social (a família e os círculos de amizade espontânea), se apropriam do discurso formal em defesa das definições formais desses mesmos valores (tradição, família e propriedade): são os teóricos da célula familiar e dos laços humanos sagrados, històricamente subordinados às igrejas. No Brasil, durante a ditadura militar, a TFP exerceu o terrorismo mental para condenar ao inferno os defensores da democracia facilitando a perseguição militar e policial dirigida por facínoras que marcaram a história dos brasileiros com um rasto de sangue e de torturas inimagináveis. Seguia a linha da Santa Inquisição que horrorizou a sociedade medieval.



Essas velhas armas de minorias histéricas, vibradas no desespero de perder a sua hegemonia como elite poderosa, revelam a vocação terrorista e criminosa dos que preferem destruir a natureza e o ser humano a perder os privilégios de um poder falido. Foi o que ocorreu no Brasil para impulsionar a ditadura na década de 60, no ocidente na derrubada do sistema socialista na Europa, nos Estados Unidos com o “Mackartismo” do pós-guerra e agora com o ressurgimento do “Tea Party”, e que explode em qualquer lugar minado pelo expansionismo imperial.



Por incrível que pareça, a campanha da oposição pela Presidência em 2010 no Brasil desenterrou grupos como a TFP que marcaram a moderna oposição com as tintas e os vícios de um passado tenebroso. Hoje já se sabe que tanto no Brasil como nos Estados Unidos, os fanáticos terroristas têm a mesma origem. Não duvido de que em todas as manifestações de violência organizada que mancharam a história da humanidade com uma crueldade inaudita praticada em nome de falsa pureza, a formação dos seus mentores era a mesma de grupos que hoje, em um momento em que a democracia se fortalece no mundo, aparecem cá e lá. São os arautos das condenações às fogueiras que em nome do sagrado que a humanidade respeita liquidam fisicamente os que lutam pelo equilíbrio social com liberdade para todos.



Os estertores de fantasmas que perambulam alimentados pela ignorância histórica e pelo obscurantismo, assustam os que acreditam em uma ascensão social protegida pela velha elite, e rejeitam a independência na luta pelo desenvolvimento da sociedade. O medo de perder o poder que ainda não está nas mãos é irracional, desesperado, violento como o de torcedores desatinados que sentem a inutilidade do empenho da vida que puseram em um sonho de vitória que deixa de existir. E a violência é promovida como símbolo de poder minando a formação de uma juventude abandonada dentro das próprias famílias desestruturadas pela corrosão das maledicências estratégicas da elite que perde o poder político.



Através da internet multiplicam as histórias, contadas em mails que parecem verídicos pela forma pessoal que assumem e dão pequenas informações nominais e de endereços, com o fim de criarem medo da prática de crimes, com transmissão de doenças ou efeitos de drogas, em situações aparentemente normais que ocorrem no dia-a-dia. Há denúncias contra tais invenções – “hoaxes”- que visam apenas criar um clima de dúvida e instabilidade social que tem o efeito dos terrores espirituais.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Liberdade para o cidadão ou para as empresas?

A confusão entre liberdade de expressão e liberdade de impressão ou de imprensa, não ocorre por acaso. É preciso ficar claro que a democracia estabelece o princípio da liberdade de expressão para todos os cidadãos assegurando-lhes o direito de pensar e de manifestar a sua opinião independentemente do seu credo, da sua cultura, da sua filosofia, da sua ideologia – desde que não agrida a sociedade pondo em risco os cidadãos.



Alguns exemplos de desrespeito por esse direito ocorrem quando o cidadão é penalizado ao discordar da opinião dos seus chefes de serviço ou de autoridades civis, apesar de ser coerente com os princípios estabelecidos socialmente. As empresas midiáticas incorrem com alguma freqüência nesta falha contra a democracia, como o recente caso ocorrido no jornal Estado de São Paulo com a jornalista Ana Maria Kehl e tantas outras empresas dos meios de comunicação social. Algumas autoridades civis ou militares também incorrem no erro, exercendo o seu poder de forma indevida.



A liberdade de imprensa, como princípio democrático, será defendida se não ferir os princípios de equilíbrio social assegurado pela legislação nacional. Existe um termo de responsabilidade social que todos deverão cumprir de acordo com os princípios de justiça humana e solidariedade social. O cidadão que agredir princípios que foram aprovados socialmente e são defendidos pelas leis, também poderá ser punido, tal como as empresas. Afinal, estamos tratando da vida em sociedade, não na selva. A liberdade de um termina quando começa a do outro, e as leis são criadas para garantirem os direitos de todos com igualdades de condições (não uns fortes e outros fracos).



As empresas têm o direito de demitirem os funcionários que discordam da sua orientação no trabalho – cumprindo as leis trabalhistas e sociais devidas. Mas, as que defendem a liberdade da empresa que discorda da administração da sociedade ficam entaladas para justificar a liberdade empresarial, mas não a liberdade individual, quando a razão é a mesma. As contradições freqüentes que se assiste nos debates promovidos em programas televisivos, quando os representantes da mídia exercem o seu papel virtuoso denunciando o crime das informações mentirosas ou que promovem a violência em seguida à exibição de uma propaganda que incorre nos mesmos crimes, não podem coexistir com o pretexto de que a responsabilidade da empresa midiática se restringe aos discursos que faz mas não à publicidade que lhe pagam para divulgar. A responsabilidade de uma empresa, como de um indivíduo, é com os efeitos que a sua ação pública promove na sociedade. O cerceamento existirá para o autor e o difusor da mensagem.



Algumas vezes o indivíduo se vê enfrentando situação similar à da empresa, quando sofre limitações legais na condição de cidadão. Explico: um cidadão da classe média, que ao envelhecer viu-se na contingência de escorregar do C para o E devido ao emperramento do seu processo de aposentadoria por razões burocráticas, tem um rendimento de 80% do salário mínimo e vê negado o direito a uma tutela do Estado durante o curso de um processo judiciário. A razão explicitada judicialmente é de não haver “periculum mora”, o que é verdade para o cidadão brasileiro já que milhões de conterrâneos vivem na mesma e até pior condição. No entanto o indivíduo alega ter sido prejudicado na sua condição de classe média C com a perda dos seus recursos de vida existentes quando podia trabalhar – casa própria (que agora não pode pagar conservação e impostos), seguro médico, transporte próprio, acesso à cultura e ao laser, à viagens para visitar familiares, à ajuda que sempre deu aos seus filhos e agora daria aos netos, etc. Os juristas que opinem com urgência porque depois dos 60 anos a vida se torna curta e o corte nos hábitos de vida afetam a saúde mental e física das pessoas.



Se for uma questão de justiça defender a sobrevivência de empresas sem perda dos recursos que foram capazes de criar, também os indivíduos merecem esta atenção do Estado. O que se deve comprovar é que um e outro (empresa e indivíduo) não feriram os interesses sociais ao ocuparem uma situação de algum conforto na escala social. Creio que a lógica é elementar para o entendimento das coisas.

sábado, 13 de novembro de 2010

Indice de intenção democrática - Estados Unidos em último lugar no mundo

A idéia que se faz de um país democrático vem da publicidade política a partir de um fato notório da sua história ou uma declaração enfática dos seus governantes a propósito do respeito pelos direitos de cidadania. Assim, parece absurdo pensar que a democracia é fraca hoje nos Estados Unidos já que a história do século XVIII registrou o surgimento da primeira nação democrática a partir da luta do seu povo pela independência, em relação ao domínio colonizador europeu, e a adoção de uma Carta Constitucional que institucionalizava os princípios traçados pela Revolução Francesa para que o Estado atendesse democraticamente aos interesses e necessidades do povo livre da hegemonia da nobreza. A nação norte-americana ficou como a mãe da democracia institucional, o que não a impediu de agir autoritária e hegemonicamente sobre paises que não resistiam às suas imposições militares, econômicas, políticas e culturais, sem qualquer lembrança dos direitos democráticos colecionados em casa e exibidos da janela.


Com o passar do tempo, mesmo dentro da sociedade norte-americana no século XX, começaram a surgir indícios do vírus anti-democrático revelados primeiro pelos negros escravizados e perseguidos, pelos imigrantes discriminados e oprimidos, pelo ensino da maioria da população que permanece analfabeta-funcional por falta de recursos de leitura fora das escolas básicas, pela carência de serviços de saúde pública para as classes trabalhadoras, pela hegemonia dos bancos e empresas de seguros que controlam a capacidade popular de ter casa própria com condições de habitabilidade, pela corrupção no sistema de poder . Isso sem falar na perseguição sistemática aos que não adotam a religião e a ideologia da elite governante.



Um símbolo, tosco e até primário, da incapacidade de governar democraticamente vem sendo insistentemente revelado ao planeta com o sistema eleitoral realizado nos Estados Unidos com a ponta do lápis rompendo um quadradinho do papel que dão ao eleitor para significar um voto. Claro que não é por falta de conhecimento e recursos tecnológicos, que paises bem mais pobres esbanjam nas suas eleições fiscalizadas em todo o mundo. É por falta de intenção democrática e isto bem merece uma classificação feita pela ONU.



A intenção democrática bem merece um peso superior ao dos instrumentos institucionais democráticos, e muito maior então, que o registro de algum fato ou manifestação histórica passada de um traço democrático. Para que as classificações comparativas dos países tenham algum significado político real o método de análise tem de ser alterado para que não pesem as heranças históricas acumuladas que só beneficiam as elites e enfeitam os museus.



Em palavras mais claras, os Estados Unidos têm todas as condições para exercer a democracia se quiserem, mas até agora defendem com unhas e dentes que não querem. O que pensa a ONU? Qual a ajuda que os povos podem oferecer solidariamente para uma decisão que beneficiará globalmente o planeta?

terça-feira, 9 de novembro de 2010

O Estado visto de baixo para cima

Os métodos de observação e análise do funcionamento do Estado devem sofrer também uma alteração democratizante: a partir da experiência popular, vê-se com maior clarividência onde estão os erros no atendimento ao público, as inadequações dos meios burocráticos, os tropeços legislativos antiquados, enfim, a realidade presente e as falhas de um sistema amarrado por inércias históricas em um velho modelo de Estado.

Seria importante fazer uma pesquisa de campo levando um técnico de alto escalão, que seja idoso e vestido como alguém empobrecido, para buscar tratamento no SUS para os seus problemas causados pela idade e pela falta de acompanhamento médico há alguns anos. Ele deve utilizar os transportes públicos em um bairro de periferia e pedir ao médico que determine uma bateria de exames comuns de saúde. Deve tomar cuidado para não manifestar impaciência nem sugerir soluções alternativas que conhece por ser técnico. Se fizer todos os exames – de sangue, urina, radiografias, eletrocardiogramas, endoscopia, tomografias, e mais outros especializados para quem já tem mais de 60 anos e nunca foi examinado convenientemente – sempre utilizando transportes coletivos para marcar consultas e realiza-las, estará apto a fazer um relatório minucioso sobre as falhas no atendimento que a maioria dos idosos sofre.

Podemos sugerir também outras experiências de investigação interna nos serviços públicos, como a de um jovem (técnico e orientado superiormente) que faça estágio como auxiliar interno para ir aos arquivos, fazer cópias, verificar o andamento dos processos, etc. Será interessante conhecer a sua opinião sobre a hierarquia interna, o uso do poder em relação aos auxiliares de serviço e na exigência de documentos desnecessários “para retardar o atendimento ao público”, etc.

Esta investigação seria completada com o estudo da organização interna em que são registrados os caminhos seguidos pelos processos, o tempo gasto em cada passo por cada funcionário e, principalmente, os casos em que não se chegou a qualquer conclusão ou não se tomou decisões importantes que propõem alterações superiores nos recursos jurídicos ou outros para solucionar convenientemente uma questão pouco conhecida.

As sugestões que um cidadão comum, idoso ou jovem, pode fazer para uma mais perfeita fiscalização dos serviços públicos e modernização do sistema têm um valor profissional que os métodos tradicionais de análise da estrutura orgânica não alcançam – o do conhecimento direto da realidade. E é a realidade concreta da sociedade que deve sugerir as soluções técnicas de funcionamento de qualquer serviço de atendimento público. Pode parecer muita pretensão tratar o tema com simplicidade e oferecer sugestões a quem estudou profundamente a administração pública, mas não é. É apenas oferecer o outro ponto de vista, que é simples, e que nunca foi ouvido por não ter diploma.

As sociedades evoluíram, os preconceitos foram sendo eliminados, o treinamento para manter um diálogo respeitoso com o público permite que as emoções pessoais sejam evitadas para que o relacionamento social seja estável. Os problemas causados pelos sacrifícios dos mais carentes são respeitados e a solidariedade humana tem um papel valioso para encaminhar soluções válidas. Historicamente, a organização das estruturas de poder na sociedade também evoluiu, passando de uma visão elitista autoritária para o conhecimento dos direitos humanos e a criação de caminhos democráticos para solucionar os problemas. É a forma de incorporar a participação dos cidadãos mais velhos recolhendo a sua experiência de vida e a sabedoria com que vence as dificuldades de sobrevivência.