terça-feira, 9 de novembro de 2010

O Estado visto de baixo para cima

Os métodos de observação e análise do funcionamento do Estado devem sofrer também uma alteração democratizante: a partir da experiência popular, vê-se com maior clarividência onde estão os erros no atendimento ao público, as inadequações dos meios burocráticos, os tropeços legislativos antiquados, enfim, a realidade presente e as falhas de um sistema amarrado por inércias históricas em um velho modelo de Estado.

Seria importante fazer uma pesquisa de campo levando um técnico de alto escalão, que seja idoso e vestido como alguém empobrecido, para buscar tratamento no SUS para os seus problemas causados pela idade e pela falta de acompanhamento médico há alguns anos. Ele deve utilizar os transportes públicos em um bairro de periferia e pedir ao médico que determine uma bateria de exames comuns de saúde. Deve tomar cuidado para não manifestar impaciência nem sugerir soluções alternativas que conhece por ser técnico. Se fizer todos os exames – de sangue, urina, radiografias, eletrocardiogramas, endoscopia, tomografias, e mais outros especializados para quem já tem mais de 60 anos e nunca foi examinado convenientemente – sempre utilizando transportes coletivos para marcar consultas e realiza-las, estará apto a fazer um relatório minucioso sobre as falhas no atendimento que a maioria dos idosos sofre.

Podemos sugerir também outras experiências de investigação interna nos serviços públicos, como a de um jovem (técnico e orientado superiormente) que faça estágio como auxiliar interno para ir aos arquivos, fazer cópias, verificar o andamento dos processos, etc. Será interessante conhecer a sua opinião sobre a hierarquia interna, o uso do poder em relação aos auxiliares de serviço e na exigência de documentos desnecessários “para retardar o atendimento ao público”, etc.

Esta investigação seria completada com o estudo da organização interna em que são registrados os caminhos seguidos pelos processos, o tempo gasto em cada passo por cada funcionário e, principalmente, os casos em que não se chegou a qualquer conclusão ou não se tomou decisões importantes que propõem alterações superiores nos recursos jurídicos ou outros para solucionar convenientemente uma questão pouco conhecida.

As sugestões que um cidadão comum, idoso ou jovem, pode fazer para uma mais perfeita fiscalização dos serviços públicos e modernização do sistema têm um valor profissional que os métodos tradicionais de análise da estrutura orgânica não alcançam – o do conhecimento direto da realidade. E é a realidade concreta da sociedade que deve sugerir as soluções técnicas de funcionamento de qualquer serviço de atendimento público. Pode parecer muita pretensão tratar o tema com simplicidade e oferecer sugestões a quem estudou profundamente a administração pública, mas não é. É apenas oferecer o outro ponto de vista, que é simples, e que nunca foi ouvido por não ter diploma.

As sociedades evoluíram, os preconceitos foram sendo eliminados, o treinamento para manter um diálogo respeitoso com o público permite que as emoções pessoais sejam evitadas para que o relacionamento social seja estável. Os problemas causados pelos sacrifícios dos mais carentes são respeitados e a solidariedade humana tem um papel valioso para encaminhar soluções válidas. Historicamente, a organização das estruturas de poder na sociedade também evoluiu, passando de uma visão elitista autoritária para o conhecimento dos direitos humanos e a criação de caminhos democráticos para solucionar os problemas. É a forma de incorporar a participação dos cidadãos mais velhos recolhendo a sua experiência de vida e a sabedoria com que vence as dificuldades de sobrevivência.

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