sábado, 31 de julho de 2010

A FRAGILIDADE DO ESTADO DEMOCRÁTICO

Habitualmente o Estado é referido como uma entidade abstrata, sem ideologia e sem rumo próprio, como umaestrutura técnica de administração nacional. Tem as costas quentes para responder por todas as injustiças e incompetências que se sucedem, muitas delas sob a manipulação de forças dominantes particulares que se disfarçam no jogo político, econômico e social. A população que é mantida alienada pelos cursos de formação mental, transmitidos 24 horas por dia pela mídia privatizada, reclama indistintamente como se o Estado fosse uma Mãezona disposta a qualquer sacrifício para satisfazer a todos os filhos. Estes pensamentos foram herdados da cultura oligárquica que herdamos do tempo colonial em que o conceito medieval religioso de que nascemos para sofrer o nosso destino, e de que tudo de bom nos acontece generosamente propiciado pela elite privilegiada que ocupa o poder. Assim a elite anda sempre junto a Deus e a massa ignara agüenta o inferno pagando dívidas desconhecidas.

Com o desenvolvimento de uma consciência de cidadania, cada um foi estimulado a defender os seus direitos perante as instituições do Estado que o recebem: de saúde, de ensino, de previdência social, da receita, da polícia e outras menos freqüentadas no dia-a-dia. Notou-se uma mudança no atendimento desde que o Governo iniciou recentemente a defesa da prática democrática. Aumentou o número de cidadãos em busca de soluções para os seus problemas e surgiram alguns porta-vozes dos direitos de cada um que se defendem valentemente dando o exemplo de conduta cidadã para ajudar aos mais tímidos.

É preciso não esquecer que a cultura oligárquica conserva rigidamente a idéia de superioridade, (no saber e no poder que são confundidos propositalmente) dos que falam pelo Estado e a subordinação tipo escravo-ignorante-por-origem (de classe ou racial) que se alastra entre as camadas pobres e trabalhadoras.

Certamente para mudar os preconceitos herdados através de séculos de domínio elitista não houve nenhum curso de boas maneiras para evitar distúrbios, e os pioneiros da democracia agiram com a indignação de quem se descobriu oprimido e lesado por serviços públicos pagos pelos impostos que entrega com sacrifício. Sem papas na língua, com a valentia que a dignidade pessoal e de classe trabalhadora inspiram, a paciência é curta e a raiva é incontrolável. A maioria dos servidores públicos reagiu com a soberania que aprendeu a usar, autoritário ou inerte. Logo surgiram os avisos colados em todas as paredes das salas de espera com a proibição legal de desobediência ou agressão verbal ou física, com a devida ameaça de punição policial.

Consultando a fundamentação jurídica vamos ver que o funcionário público nunca pode ser culpado pelos erros cometidos pelo Estado. Ele pode ser incompetente, inerte, desinteressado, malandro, autoritário etc. que o cidadão fica em suas mãos, calado e bem educado. É que as leis também foram feitas para proteger o Estado abstrato. Então, como e a quem reclamar os direitos desrespeitados? 

Alguns recomendam o PROCON ou o Fórum, mas na verdade estas instituições não tratam de reclamações contra o Estado. Apesar de terem sido criados Juízos Especiais Federais para receber os insatisfeitos, este recurso existe aparentemente clandestino porque os advogados, inclusive os atendentes de Fóruns e das insitituições de Estado desconhecem ou fingem desconhecer. Há uma forte aliança entre Estado abstrato e o corporativismo dos advogados, que obriga o cidadão a contratar e dar procuração ampla para o profissional da advocacia defende-lo com todas as mesuras convenientes dentro do ambiente jurídico (superior ao comum dos mortais) que defende a abstração do Estado. Assim, a distância entre o cidadão pé-de-chinelo como é a maioria, e a Mãe-Estado dos que usam a lei como cacetete, é democraticamente intransponível.

Mas, mesmo que se descubra um caminho para pedir ajuda ao próprio Estado (sem precisar de advogado para representar o cidadão) para solucionar os problemas que nas instituições ninguém assume, a responsabilidade para defender os direitos do cidadão, exigem coragem, disponibilidade de tempo e recurso para transporte – que a maioria dos trabalhadores não pode ter considerando que isto põe em risco toda a família (já que o dinheiro é curto, o tempo escasso e as ameaças policiais ainda pesam sobre o responsável familiar).

Então existem as Ouvidorias. Melhor ainda, desde que se pode contatar por telefone gratuito ou internet. Quem já recorreu alguma vez contando a sua história de impotência perante a lei para defender os seus direitos, ficou decepcionado na maioria das vezes. Os programas informáticos jogam o cidadão de um lado para outro pedindo números de documentos sem avisar que não devem ser teclados os espaços ou vírgulas e suspendendo a página com a demora no preenchimento. Se, por acaso, o cidadão já está mais avisado dos truques habituais, e faz a queixa recebendo um número de protocolo, pode esperar sentado que a resposta não vem. Se reclamar uma, duas, dez vezes, recebe a gentil resposta de que "o problema está sendo estudado"durante meses e anos. A única vantagem de se fazer a reclamação por telefone ou internet é que se perder a paciência ninguém ouve e a lei não ameaça com prisão. Haja saúde para evitar o estresse! E esta novela pode durar anos (tenho provas), até que o cidadão desista por cansaço ou por morte.

Vamos pensar com calma, já que aceitamos fazer aliança com possíveis adversários que talvez até deixem de o ser: o Estado não é uma entidade abstrata; em um Estado democrático não há soberanos; a lei não pode existir para proteger os que não executam plenamente a sua função no Estado; o cidadão não pode ser calado por ameaça jurídica sem que lhe sejam facultados outros caminhos para resolver os problemas. Todos concordam que deve haver respeito no trato com qualquer cidadão, seja ele funcionário ou não. Se houver descuido ou incompetência no encaminhamento dos processos, alguém da estrutura do Estado deve ser responsabilizado, mesmo que seja a chefia direta ou superior que criou dificuldades para que os problemas não possam ser solucionados em tempo hábil. Sempre há alguém de carne e osso atrás de uma decisão mesmo que seja apresentada por um programa informatizado. Esta alegação de que o sistema não aceita, é conversa furada e anti-democrática.

Somos a favor de um Estado fortalecido, não autoritário e protetor dos seus amigos e parentes, incompetente e cínico. O Governo de Lula tem ensinado não apenas ao Brasil, mas ao mundo que o Estado deve ser vitalizado para suportar a defesa dos direitos de cada cidadão (de forma ordeira); que os corruptos e ladrões devem ser expulsos, presos e com a devolução do dinheiro público; que diante de uma crise do sistema capitalista poderá ajudar as instituições privadas evitando as falências mediante uma intervenção saudável do poder público que fiscaliza e impõe regras democráticas. Hoje temos a satisfação de ver que até o presidente Obama, amarrado nos limites do velho imperialismo, tenta introduzir nos Estados Unidos estas medidas de fortalecimento do Estado para salvar a economia esbanjada pelas grandes empresas apátridas. Foi uma vitória impor o Federal Reserve na correção dos erros de gestão financeira dos privados.

É preciso rever o funcionamento de cada instituição de Estado para que não seja necessário impor pela lei que o cidadão agüente tudo calado, estressado, doente até ser liberto pela morte. O Estado não será mais um instrumento de poder da elite que, por definição, é apátrida, egoísta, desumana e malévola (com o devido respeito para não ferir a lei).

Vale à pena acompanhar os corajosos passos do presidente do Uruguai:  José Mujica, voltou a insistir na necessidade de reformas para poder alcançar um Estado "vigoroso, forte e puro músculo", entre outras coisas, como forma de garantir a necessária distribuição da riqueza no país. No programa "Fala o Presidente", transmitido pela emissora M24, o mandatário disse que não será fácil implantar o "sentido de pertencimento" entre os funcionários públicos que deverão compreender que "a honra de trabalhar no Estado reside no fato deste trabalho estar ligado à sorte geral de toda a nação".

Na parte central do programa, Mujica voltou a se referir à necessária transformação do Estado. Ele disse que, quando fala destes temas, "algumas pessoas se sentem ofendidas ou agredidas. O problema não é de caráter pessoal e muito menos é com os funcionários públicos, que não são outra coisa do que a conseqüência de uma hipertrofia muito maior e mais genérica, que anda de mãos dadas com nossa própria história, com a nossa própria construção nacional.Há gente que sonha com leis, que acredita que as mudanças em uma sociedade necessitam de uma avalanche de leis; e não é que as leis não tenham importância, para além da que têm, e ai dos homens se não existirem garantias de direito que em alguma medida nos regrem, nos regulem, nos ordenem, nos imponham limites."

                                                                              Zillah Branco

Um comentário:

  1. Valeu, camarada Zillah. O Estado consiste de fato em instrumento de dominação de classe, e sua essência é a violência institucionalizada. O problema é que os partidos políticos, a meu ver, também configuram instrumentos burgueses em sua origem e forma. Resta criar uma instituição política genuinamente proletária e revolucionária em sua forma e seu conteúdo. O que acha? Vamos estudar juntos toda essa "velha merda" (desculpe, mas a locução é do próprio grande Marx)?
    Fortíssimo abraço do

    Luis Fernando.

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