quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Contribuição para um debate atual sobre a participação política anti-imperialista


Introdução

Foram reunidos alguns artigos já publicados e outros não divulgados que propõem uma discussão sobre o significado atual do poder de uma elite, da ação do imperialismo, da luta pela independência dos povos e a participação cidadã na história.

O conhecimento científico atual permite distinguir o papel do indivíduo em uma luta cuja meta é transformar as condições de vida do coletivo populacional com a aplicação dos recursos nacionais, a partir de uma plano de desenvolvimento adequado à realidade em que vivem. A abordagem será a da combinação de fatores, de inter-relação entre diferentes níveis de cultura, de necessidades, de poder, para superar preconceitos, privilégios e formas de exploração social herdadas de um passado oligárquico e autoritário.

As crises do sistema capitalista despertaram o interesse dos seus defensores no sentido de uma auto-crítica da estratégia mantida e o aproveitamento das experiências históricas do sistema socialista. Os países socialistas e seus defensores já vinham procurando adequar as suas conquistas sociais e culturais às estruturas criadas pelo capitalismo de modo a alcançar um convívio equilibrado e positivo onde possa haver intercâmbio sem conflitos de poder. As nações latino-americanas em desenvolvimento têm escolhido governantes identificados com os interesses do seu povo e com o respeito pela cultura e a história da nação.

Tem-se hoje uma experiência de alguns países que afirmam a sua independência, defendem a sua cultura e lutam por formas de integração nacional e internacional para consolidar a sua integridade e igualdade de direitos no relacionamento global. Lutam pela PAZ e contra as elites dominantes que dependem das guerras.

Propõe-se um estudo macro e micro da política e seus elementos econômicos, sociais e culturais para abrir o leque intrincado dos problemas que mantêm estruturas fechadas de exploração e de explorados que impedem a participação dos cidadãos com consciência cívica na construção de uma sociedade mais justa que lhes propicie liberdade, igualdade e solidariedade, com respeito pelo valor humano de cada um e de todos.

QUEM TEM PODER NA SOCIEDADE?

A imagem de poder, aparentemente, se identifica com o Governo e com as instituições do Estado, isto é, na administração nacional. Mas, o verdadeiro poder que funciona como esteio da administração está atrás e o envolve. Com o apoio e a participação da população, com consciência de cidadania, será um poder democrático; fazendo uso da lei para impor uma disciplina - que será democrática na medida em que defenda os interesses da cidadania e não de uma elite – terá instrumentos para preservar a democracia. Mas, se a disciplina imposta for apenas para centralizar o poder representado por um Governo autoritário e anti-democrático, que defende os privilégios de uma elite, o esteio deste poder administrativo será militar e económico, insensível às necessidades humanas e sociais da população.

O sistema capitalista essencialmente representa os interesses económicos de uma elite dominante que controla os poderes militar e político. A elite se identifica socialmente com a classe que exerce o poder no comando das atividades produtivas e de serviços, de relacionamento interno e externo a nível de Estado, na comunicação (transporte e divulgação), no desenvolvimento das infra-estruturas assim como nas áreas sociais e culturais.

A contratação de trabalhadores para todas as atividades realizadas por empresas do Estado ou privadas, teve início com a Revolução Industrial dando origem à classe operária que, com as camadas inferiores da classe média, tem lutado por importantes conquistas democráticas que definem os Direitos Humanos, as eleições livres de representantes nacionais com funções executivas e legislativas na estrutura de poder, a legislação trabalhista, os direitos de associação.

Passo a passo os trabalhadores adquirem a capacidade de participar mais de perto nas ações administrativas do Estado e de impor, com a força da sua união manifestada pelos movimentos e associações sociais e por partidos de esquerda, as reivindicações dos que não pertencem à elite dominante. É um caminho revolucionário, lento, traçado através de alianças políticas dos vários estratos sociais mesmo que tenham interesses diferentes. Atualmente tais alianças têm sido facilitadas diante da crise que afeta todo o sistema capitalista incapaz de superar o reducionismo de uma elite gananciosa e egoista que sacrifica a humanidade para alcançar maiores lucros financeiros.

A experiência de alguns paises com a implantação de soluções socialistas demonstrou claramente as carências da visão capitalista que restringe os seus planos à eficiência e produtividade dos seus elementos sem assegurar o direito de todos à vida, ao desenvolvimento humano, ao controle das ações e produtos que destroem a natureza e a própria condição de sobrevivência. Os efeitos estufa, a destruição de florestas e mananciais aquíferos, desencadeam fenomenos destruidores do solo produtivo, das nascentes dos rios, das construções de cidades e infra-estruturas, das vidas vegetais, animais, humanas. A acumulação de lixo, sobretudo dos tóxicos e transmissores de doenças, polui o ambiente e asfixia a sociedade. É a partir da observação sobre as condições de sobrevivência de toda a população – introduzida pela experiência histórica socialista – que os planos de desenvolvimento podem ultrapassar a simples preocupação tecnocrática com o crescimento e o lucro.

Apesar do avanço da intelectualidade no sentido de ampliar a visão científica abarcando toda a realidade e as inter-relações de convívio, a elite autoritária, que tem o domínio financeiro e militar, continua a dificultar o caminho pacífico do desenvolvimento planetário. As forças imperialistas fomentam as guerras que consomem exércitos e armas, além de manter povos escravizados. Sorrateiramente oferecem soluções parciais para impedir a independência das nações empobrecidas. Vemos hoje que o grande apoio financeiro oferecido pelos paises ricos e o FMI à Grécia não é para salvar o país endividado já que impõe como condição as privatizações dos setores de energia e transporte.

Foi sempre assim a “ajuda” capitalista aos paises em desenvolvimento, mas a América Latina com seus novos governos que não aceitam o neo-liberalismo encontraram o caminho para manter a independência e o desenvolvimento. Os países mais pobres da Europa terão de fortalecer as suas unidades nacionais também e defender a sua autonomia porque a crise do sistema capitalista ainda não chegou aos bancos e à economia de guerra.

O LABORATÓRIO PSICO-POLITICO DO CAPITALISMO


A velha pretensão de construir um “Frankstein”, com todas as características de um homem de princípios, humanista e firme para liderar a humanidade, domina a elite pensante do capitalismo global. Experimentaram com Gorbatchov que se ofereceu para corrigir as falhas que minavam a estrutura soviética com discursos mascarados de orientação socialista que disfarçavam os atos de submissão ao imperialismo.

Os capitalistas “democratas”, com isso, aprenderam duas questões básicas: 1º) as massas precisam participar do esforço de substituição da imagem do novo programa para vencer a oposição da direita tradicional; 2º) as metas apresentadas devem estar mais próximas de um discurso socialista para satisfazer a idéia de democracia, que seja demagógico, mas de alto nível.

As versões sociais de poder defendidas pela elite – importantes famílias, dinheiro ou propriedades, tradições históricas, capacidade devido à “herança mental”, nível de instrução superior, e outros complexos de superioridade fartamente usados por racistas e oligarcas – estão totalmente desmoralizadas no mundo moderno que destronou a velha nobreza e vem derrubando os que são maus gestores das suas grandes empresas. Acompanhando esta derrota da direita política a nível intelectual, todas as ações que traduzem exploração do trabalho, abuso de poder, opressão pela força bélica, oposição ao exercício dos direitos humanos, preconceitos e discriminações sociais, que há duzentos anos a esquerda vem denunciando em suas lutas contra o imperialismo e os malefícios do sistema capitalista, passaram a ser condenados pelos “democratas” que, em um processo de modernização, se afastaram da direita cristalizada para poderem adotar o que a ciência e a história comprovam de mil maneiras.

Será preciso aceitar que as mudanças ocorram no sentido da realidade que está cada vez mais visível, mesmo para aqueles que antes lutavam para que nada mudasse abalando a classe a que pertencem. Ainda bem que muitos começam a enxergar agora, no segundo milênio, o que antes negavam por ignorância ou oportunismo. Mas o orgulho de alguns impõe novas artimanhas para evitar que sejam obrigados a ter a coragem de reconhecer que antes estavam no caminho errado quando se opunham aos princípios socialistas. Convenceram-se de que com as técnicas utilizadas na área da publicidade para dinamizar o chamado “mercado livre”, que manipula a consciência dos consumidores com as armas da psicologia aplicada, os espertos marketeiros que assessoram os grandes candidatos do sistema global rastreando os sentimentos e as palavras que são bem recebidas pela população na sua maioria (para não dizer a ideologia que traduz a consciência popular). Aceitam que a maioria tem razão, não a elite que age apenas por interesse particular. Vão em busca de um candidato não comprometido com o establishment marcadamente elitista e anti-democrático, e que desempenhou papel de líder comunitário e social em defesa de causas populares habitualmente discriminadas.

Peter Giangreco – estrategista de marketing no Partido Democrata norte-americano, fez um relato completo sobre como Barack Obama foi escolhido para servir de “frankstein” como canditato à presidência dos Estados Unidos (entrevista concedida à Globonews, ao jornalista Ricardo Lessa, dia 23.01.10 no programa “Conta Corrente”). Para quebrar a imodéstia de construtor do herói, fez várias referências à capacidade de Obama, de natural líder carismático que garantiu o êxito eleitoral sendo negro, jovem, de carreira política recente. Afirmou que a estratégia foi a de adotar uma campanha “de baixo para cima” utilizando a solidariedade natural da população desgostosa com a política norte-americana de guerras, há vários anos apresentada por maus candidatos que desmobilizavam os eleitores. Recorrendo à internet e à publicidade gratuita que as pessoas começaram a fazer no seu dia a dia, animadas com a possibilidade de verdadeira participação popular na eleição, criaram uma rede para acompanhar esta comunicação popular espontânea com agentes coordenadores “jovens que trabalhavam por pouco salário” e material escrito e gravado em DVD com “temas e linguagem adequados a captar a simpatia da maioria”. Explicou que esta técnica publicitária já é amplamente utilizada para promover a venda de produtos vários no mercado comercial. Dessa forma captaram o apoio popular que o Partido Democrata precisava, e uma farta arrecadação de recursos para financiar a campanha. Em resumo, copiaram as campanhas de esquerda que no mundo inteiro são feitas para concorrer com a direita que detém o poder de comunicação e os recursos de financiamento dos respectivos partidos.

Isto pode ser considerado como fraude, manipulação das consciências e traição à boa fé dos apoiantes ou foi uma valente e heróica maneira de abrir espaço para alterar os conceitos do povo americano (e dos seus políticos democratas incluindo o Presidente), mudando de lado ideológico e adotando posições mundiais de esquerda? Giangreco disse que todo o trabalho de marketing foi realizado à semelhança de “químicos em laboratório”. Imagino que a cabeça da elite que acredita nas mágicas da publicidade, não dê para analisar de maneira mais profunda o esforço de “parecer” de esquerda. E fico com a lembrança do filme “Fantasia” do Disney, quando Mickey faz a mágica para transportar a água sem necessidade de trabalhar e vê-se num dilúvio por perder o controle da situação.

Os movimentos da história vão mais além dos coelhos tirados da cartola. Têm dinâmica própria e abrem caminhos inesperados. Hoje Obama desilude grande número dos que pensaram que os discursos eleitorais revelavam o seu pensamento próprio – contra a guerra no Oriente Médio, contra a prisão de Guantanamo, a favor de um relacionamento digno com os governos que Bush condenava como inimigos, com respeito pela Paz Mundial. Para outros, não importa que Obama vire a casaca como fez quando recebeu o prêmio Nobel da Paz, porque grande parte da humanidade não aceita ser traída na sua confiança e tem capacidade para encontrar outros líderes para prosseguir o seu caminho pela verdadeira Paz que deriva do respeito pelos Direitos Humanos em todos os sentidos. São os líderes que encarnam a vontade popular, não os que pretendem impor uma nova vontade. Estratégia é o encadeamento lógico dos valores dominantes para atingir uma meta, não é a mistura química de palavras cativantes para enganar os povos.

Até mesmo Obama poderá continuar fiel às suas mensagens favoráveis à Paz e ao respeito pela humanidade. Os seres humanos evoluem, só retrocedem os que se vendem por um punhado de lentilhas, e acreditam que a publicidade traça o destino de um povo.

O império visto por dentro

Temos tido surpresas interessantes com a última (espero que seja realmente a última) imagem da versão imperialista da nação norte-americana.

A partir das repetidas catástrofes propiciadas por Bush no seu governo – brincando de cabra-cega com o seu antigo aliado Bin Laden; invadindo países com base em mentiras oficiais (denunciadas pela CIA e outros); sabendo do provável ataque aéreo de terroristas, mas sem tomar medidas de proteção por não saber onde iriam ocorrer (cic.declaração de Bush televisionada); enriquecendo empresas multinacionais na destruição e reconstrução dos países invadidos e tantas outras formas de terrorismo de estado – o mundo começou a respirar com o desenvolvimento da campanha eleitoral de Obama que trouxe a público os valores entorpecidos da história dos Estados Unidos homenageando alguns dos seus heróis assassinados que contrariaram os preconceitos e as tendências destruidoras da estratégia imperialista acoplada ao desenvolvimento nacional.

Obama expôs, a si e à sua família, como humanista decidido a limpar a imagem cruel que os Estados Unidos mantém em todo o mundo. Brilhantes intelectuais defensores ou não do sistema capitalista revelaram conhecimento da realidade planetária alertando para os problemas da destruição ecológica e a perversão do relacionamento com os seres humanos que continuam a ser espoliados no Terceiro Mundo e nas áreas pobres dos países desenvolvidos, escravizados, estuprados, vendidos aos pedaços, para enriquecer uma elite egoísta e criminosa que concentra em suas mãos o poder militar e econômico de todo o planeta. O mundo intelectual foi animado pela possibilidade de encontrar pontos comuns na interpretação dos problemas que ameaçam a humanidade. Foi reavivada a confiança nos processos de aliança de interesses coletivos, de respeito pelas diferenças culturais e outras que têm desunido os povos, de convergência ecumênica entre as diversas religiões e filosofias de vida, de unificação dos propósitos mais nobres dos militantes sociais e políticos - a PAZ almejada por todos os povos do planeta.

Aos poucos, em oposição, recomeçaram a surgir expressões mais reacionárias que avivaram as dúvidas e os oportunismos de conservadores inseguros e despertaram iniciativas de crueldade em mentes desarvoradas. Um exemplar do marketing que trabalhou na campanha eleitoral do Partido Democrata revelou em entrevista a TV Globo que era antiga a idéia de eleger alguém com convicções semelhantes a dos eleitores populares, que pudesse usar as frases que despertam confiança na gente comum (e ingênua). E encontraram Obama. Ficou a dúvida se a proposta cínica foi feita ao candidato ou se ele faz parte dos ingênuos como a maioria dos eleitores.

Com a memória dos assassinatos históricos nos Estados Unidos que, por muito menos que as promessas de diálogo internacional feitas por Obama, foram eliminadas para permitir a continuidade da vocação imperialista do poder norte-americano, era de se esperar que o novo presidente fosse pressionado e ameaçado. As suas palavras ao receber o premio Nobel da Paz defendendo as guerras justas (linguagem de Bush), revelaram que a corda estava no seu pescoço.

O mundo viu surgir um Obama democrata para efeito de transformação interna da sociedade norte-americana - com a luta para dar um espaço de cidadania aos pobres que precisam de tratamentos de saúde, e mais recentemente, com a dignidade com que tem exigido da empresa britânica de petróleo para que cumpra as leis do Estado americano suportando os custos do desastre criado pela sua incompetência ao inundar o oceano de óleo que dizima a flora, a fauna e a produção de alimentos em todo o sul do país. E, um Obama imperialista que espalha as bases militares por todos os continentes, que continua o caminho de Bush para derrotar os paises árabes e ficar com o seu petróleo tratando como inimigos os que se defendem, aumentando o numero de soldados que vão patrioticamente morrer no Afeganistão. Até quando será possível manter tal dubiedade? O general das forças norte-americanas no Afeganistão já exprimiu o seu desprezo pela orientação da Presidência de Obama. Será ato isolado? Cheira a golpe.

Chalmers Johson, aposentado da CIA que publicou anteriormente Blowback (explicando porque os Estados Unidos foram e serão agredidos em retaliação à sua política expansionista), põe em dúvida o futuro do império fundado em forças militares e fantasiado de missionário. Chegou à conclusão de que “o livro - Venas abiertas em América Latina - de Eduardo Galeano, que o presidente da Venezuela ofereceu a Obama, é muito interessante para apresentar uma realidade que explica porque os norte-americanos são odiados pelos povos em desenvolvimento.” E esclarece que o elevado custo, financeiro e humano das invasões imperialistas praticadas vai levar os Estados Unidos à insolvência. “Não será falência porque não se vai pretender compensar as vítimas”.

Tal como ocorreu quando a campanha de Obama inspirou as novas alianças, o ex-funcionário da CIA começa a dar valor aos textos produzidos por revolucionários.

Mesmo que a escolha de um Presidente, negro e democrata, que sirva de escudo para o poder do eixo do mal imperial continuar a agir, as sociedades foram abaladas pelo aceno da PAZ e do diálogo racional e construtivo entre os povos. Como escreveu o mexicano Octávio Paz, “quem viu a esperança não a esquece”. O caminho alternativo foi aberto e Chalmers, ex-funcionário da CIA, reconhece que só será viável se “construído de baixo para cima pelas pessoas instruídas”. Pelos cidadãos conscientes, digamos mais precisamente.

O imperialismo se expande

Enquanto os povos lutam por uma lenta evolução democrática que garanta a sobrevivência em condições mais dignas, o sistema capitalista entra triunfalmente na fase imperialista prevista por Marx e seus seguidores. Em artigo um embaixador francês Pierre Charasse, faz uma análise clara da “Geopolítica da desaparição do Euro” (divulgado por Carta Maior 9/6/10). Com a assinatura do Tratado de Lisboa as nações europeias reunidas na UE entregaram a defesa militar à NATO e com a independência do Banco Central Europeu cederam o comando das suas finanças nacionais ao FMI. A Inglaterra preservou a sua moeda – libra, que não se esvaiu no Euro – mantendo a velha cumplicidade com os Estados Unidos ( que são o eixo da NATO e do FMI), cumplicidade herdada da ligação evolutiva entre o colonialismo e o imperialismo arquitetada nas conferências de Bretton Woods em Julho de 1944.

Da primeira grande “crise económica” do sistema capitalista (1929) surgiu a estratégia do governo protetor – welfare state – que, a nível nacional garantia empregos à sua população. A nível internacional desenvolvia-se o intervencionismo de um governo com capacidade de liderança e de controle do mercado mundial (base do comércio global) e das relações financeiras. A política de “beggar-thy-neighbor” (empobrece o teu vizinho) provocou espirais inflacionárias, diminuição de produção, desemprego em massa e declínio do comércio mundial aberto ao fluxo de capitais e comércio privados, base do sistema liberal.

Os Estados Unidos não sofreram as destruições causadas pela Grande Guerra às nações ricas da Europa e fortaleceram os seus laços de financiamento tanto na Europa desenvolvida como no Terceiro Mundo empobrecido pelo colonialismo centenário que sugou suas riquezas e miserabilizou suas populações. Foi a oportunidade para o grande salto industrial dos Estados Unidos e seus parceiros europeus. O sonho de Hitler foi absorvido pelo poder capitalista concentrado na nação norte-americana que gerou um formidável poder militar provado com o uso da bomba atómica contra civis japoneses.

A história imperialista do pós-guerra no século XX foi a do combate sem tréguas aos movimentos populares de emancipação nacional, que agitaram os trabalhadores de todo o mundo, e ao sistema socialista implantado na União Soviética, RDA, Polónia, Hungria, Tchecoslováquia, Bulgária, Roménia, China, Coreia do Norte, e mais tarde em Cuba, no Vietnam, no Laos. Os organismos “protetores” (FMI, Banco Mundial e outros manipulados pelos EU) passaram a aplicar os seus projetos de desenvolvimento no Terceiro Mundo de modo a destruir as raízes nacionais e culturais dos povos e subordinar as suas economias ao famigerado “mercado livre”. Semearam a destruição de florestas nativas, as nascentes de água doce; a dependência de povoações camponesas levadas a abandonar a sua economia tradicional; a subordinação das novas gerações engolidas pela cultura ocidental imposta mundialmente pela midia para extirpar os valores tradicionais; a distribuição de drogas e implantação de redes criminosas aliadas ao turismo predador que financia a prostituição e a corrupção generalizadas.

Enquanto sobreviveu a União Soviética - que para fazer face ao poder imperialista desenvolveu-se como potência militar sacrificando em parte as condições que o sistem socialista introduziu no mundo em defesa da vida social democrática e o apoio à luta pela emancipação dos povos, - o relativo equilíbrio de forças limitou a expansão do imperialismo, obrigando os Estados Unidos a tratar as demais nações ricas como aliadas mas independentes.

As nações mantiveram-se politicamente aliadas à potência norte-americana que, na criação de um sistema global, dinamizou a integração multinacional das grandes empresas e criou mecanismos comerciais e militares para exercer, em âmbito internacional, o controle indireto da estratégia capitalista expansionista. Lentamente as nações europeias foram absorvendo a cultura e os produtos norte-americanos como modelos de modernidade. No mundo subdesenvolvido era imposto, pelo Ocidente “civilizado”, o mesmo modelo através de produtos menos elaborados e mais adequados à rusticidade e baixo poder aquisitivo das populações empobrecidas.

Com a implosão do socialismo na Europa minado pelas infiltrações imperialistas, os antigos aliados decidiram criar um poder Europeu unindo as nações do seu continente. Dentro do conceito comunitário foi promovida uma integração de nações ricas e pobres. A União Europeia criou uma moeda única – o Euro – que na competição com o dollar tornou-se mais forte afirmando o valor do velho continente frente à potência moderna. Com algum constrangimento (diante dos movimentos de massas nacionais) cumpriram as funções de aliados nas guerras imperialistas: no Afganistão, na Yugoslávia, no Iraque e cederam bases na Europa para as manobras norte-americanas. A subserviência à única potência mundial levou a UE a aceitar o comando militar da NATO e a criar um Banco Central Europeu independente dos governos nacionais, que integrou o sistema financeiro global subordinado ao FMI. Entregaram as armas e as finanças. Com a crise criada pelo sistema bancário mundial, a moeda europeia rodou e o dollar foi fortalecido, como explicou o embaixador francês Pierre Charasse.

Já em 1916, a partir da análise que Marx e Engels fizeram, no século anterior, do desenvolvimento do sistema capitalista, V.I.Lenine observou o “Lugar do imperialismo na história”. “O imperialismo é, pela sua essência econômica, o capitalismo monopolista ... que nasce da livre concorrência, é a transição do capitalismo para uma estrutura econômica e social mais elevada”. Assinalou as seguintes características: “O monopólio é um produto da concentração da produção em um grau mais elevado do seu desenvolvimento; os monopólios vieram agudizar a luta pela conquista das mais importantes fontes de matérias-primas; o monopólio surgiu dos bancos com a concentração do capital financeiro; o monopólio nasceu da política colonial pela nova partilha do mundo.”

Tudo isto deu origem ao caráter parasitário do capitalismo na fase imperialista que despertará formas de reação violentas quando a sociedade se tornar caótica com a perda de regulação institucional.

Os movimentos de trabalhadores em toda a Europa, a começar pela Grécia que reuniu mais de cem mil pessoas nas manifestações de Atenas e a continuar com Portugal que realizou uma marcha com trezentos mil cidadãos organizados pelos Sindicatos no final de Maio, reavivaram os valores das suas tradições de lutas. Se os governos sucumbiram ao dominio imperialista, os povos terão de conduzir as suas nações com a independência que as dignifica. Assim foi vencido o fascismo que provocou a Guerra Mundial.



Impérios e democracia

A cultura dominante na nossa época continua a construir conceitos herdados do passado sem uma devida adequação à realidade presente. Raramente são discutidas, por exemplo, as deformações de comportamento derivadas de hábitos ancestrais de submissão aos poderosos e a repetição dos seus preconceitos sociais, apesar das condições atuais ofereçam conhecimento e recursos institucionais apoiados em leis democráticas.

Com a introdução política dos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade que a Revolução Francesa (1789) lançou no mundo, foram adotados conceitos democráticos na linguagem política que nem sempre são transmitidos culturalmente, e só vagarosamente, incentivam mudanças no raciocínio individual e social que promovem novas mudanças no comportamento individual e social.

Apesar das importantes conquistas sociais de caráter democrático – o fim da escravidão como sistema, o combate ao racismo e ao machismo como instrumentos de discriminação social, a condenação jurídica do abuso de poder nas sociedades, o combate aos sistemas oligárquicos e autoritários pela criação de instituições jurídicas e oficiais de Estado que seguem os princípios democráticos estabelecidos nas Constituições nacionais – em pleno século XXI ainda surgem manifestações, políticas e individuais, de submissão ao mais forte com a falsa justificação do protecionismo que reforça o poder de um e a fragilidade do outro.

Dominados pela alienação social, ou pelo oportunismo pessoal, continuam a desejar um “dono” rico e forte que resolva os problemas da sociedade à sua maneira, mesmo que cometendo injustiças e impedindo a população dependente de alcançar sua autonomia e afirmação de dignidade. A propaganda da superioridade das elites que detêm o poder econômico e político, e com eles o social, como se fossem detentores de discernimento mental e capacidades acima de todo o povo mantido no atraso e na condição subalterna de trabalhador dependente, na verdade faz uso dos velhos preconceitos e mitos que se opõem aos de igualdade e fraternidade tão apregoados como alavancas eleitorais. Assim, torna-se fácil justificar que os governos devem estar nas mãos das elites que distribuirão a seu critério os recursos de sobrevivência e de formação cultural para a população trabalhadora, perpetuando o seu poder absoluto.

Os mesmos raciocínios de competência das elites para exercer o poder, são aplicados às nações: as menos desenvolvidas e mais pobres submetem-se às mais ricas e poderosas, como uma ordem natural das coisas que fica por conta dos deuses ou de outras formas de explicação mitológica. Aceitam-se os impérios resultantes da vocação expansionista que sugam as economias mais pobres e destroem todo o tipo de resistência popular, e ainda a publicidade do invasor como exercendo suposta missão pacificadora e democratizante. De lado fica o que a história revela sobre os antecedentes predatórios e exploradores dos países que enriqueceram a custa de dominação de regiões por eles colonizadas, escravizadas e roubadas.

Quando hoje são referidos os “impérios”, nos textos históricos, são destacados os da antiguidade e depois os que desapareceram no decorrer do século XIX até as duas grandes guerras. O domínio do império britânico, assim como dos sistemas coloniais europeus e norte-americano ficam explicados pela revolução industrial que os dotou de um patrimônio tecnológico, bélico e financeiro que traduziu o poder aparentemente invencível quando em confronto com as nações ainda subdesenvolvidas.

As duas grandes guerras esgotaram as forças das nações imperiais européias e fortaleceram as dos Estados Unidos que desde a sua independência defendia uma doutrina isolacionista para fortalecer o desenvolvimento nacional. Na América (que incluía dentro do seu isolacionismo com o conceito de “América para os americanos”) apoiava a libertação colonial de várias nações e, aparentemente, colaborava com o desenvolvimento econômico local enquanto introduzia as suas empresas em substituição às européias. Assenhoreava-se dos setores fundamentais ligados a infraestrutura de transporte, comunicação e energia. Era o nascimento de um modelo imperialista mais ligado ao poder econômico que o das nações européias que definiam uma administração política dentro do país ocupado.

Com a participação decisiva no final da segunda guerra (ao mesmo tempo em que fabricava as primeiras armas atômicas, e as utilizava contra populações civis no Japão), os Estados Unidos passaram da aliança aos europeus no combate ao nazi-fascismo à liderança militar e econômica fortalecidas pela industria bélica e exploração de matérias primas. Foi um rude golpe na manutenção das antigas colônias européias, que já se inspiravam na revolução socialista para conquistarem a independência nacional. Essa liderança indiscutível, centrada no desenvolvimento do sistema capitalista ocidental, promoveu a diferença doutrinária da política norte-americana que assumiu claramente o expansionismo imperial. No fim da guerra mundial foram criados os organismos internacionais incumbidos da proteção e segurança mundial, com uma fachada democrática enriquecida pela Declaração dos Direitos Humanos e princípios de liberdade, fraternidade e solidariedade na promoção do desenvolvimento das nações.

Os Estados Unidos tinham como oponente principal a União Soviética que apoiava os movimentos de libertação nacional em todo o Terceiro Mundo e oferecia formação cultural e científica para que os quadros políticos de países subdesenvolvidos tivessem condições de se prepararem para conduzir as lutas nacionais dos seus respectivos povos e assumir a administração governamental após a vitória. Crescia a luta anti-imperialista em todo o planeta enquanto a União Soviética desenvolvia um sistema socialista de participação popular e com atendimento às necessidades básicas da população – habitação, saúde, ensino, segurança social – sem deixar de investir fortemente na preparação militar para fazer frente a prováveis ataques do bloco capitalista. A definição da “guerra fria” serviu como pólo aglutinador da aliança ocidental promovendo a potência norteamericana a líder mundial do sistema capitalista.

Estavam criadas, nos Estados Unidos, as condições para a vigência da doutrina Truman que encerrou o ideal democrático cultivado nos antigos princípios da nação, e abriu vastos caminhos expansionistas para a consolidação do império norteamericano que atingiu o seu ápice com a implosão da União Soviética. A presença invasora dos Estados Unidos em todos os continentes nos últimos quarenta anos fez com que a nação ficasse identificada pelas novas gerações como imperialista e opressora. É necessário reler a história mundial para separar o caminho nacional dos Estados Unidos daquele que, pelo desenvolvimento da ganância capitalista e dos objetivos expansionistas de um Estado/Grande-Empresa, constituem o imperialismo que ameaça a liberdade dos povos em luta pela criação de um mundo mais humanizado em que a Paz favoreça o fim da violência.

Dentro dos Estados Unidos muitas vozes têm manifestado a sua oposição a este infame “destino” de que a nação foi investida. Nas grandes manifestações contra a guerra no Vietnam ficou provada a exigência popular contra a manipulação da política internacional por um aparelho monstruoso criado para dominar o mundo. Com a eleição de Barak Obama, multiplicaram-se as edições de livros e, agora de filmes documentários, de intelectuais que investem os seus conhecimentos e as suas vidas em um projeto de mudança radical da doutrina norte-americana no sentido da solidariedade entre todos os povos para enfrentarem, juntos, os problemas do clima e do esgotamento dos recursos naturais que resultaram das sucessivas construções de impérios destruidores da Terra e da humanidade.

Já é voz comum que “a violência gera violência” e os povos conscientes das suas capacidades e do caminho para desenvolvê-las, querem a Paz.


A trilha da esperança

A trilha que hoje nos leva á esperança de unir os povos para transformar revolicionariamente a história planetária, lutando pela PAZ e construindo melhores condições de vida para todos, segue as conquistas do conhecimento humano que têm como meta o respeito pelos Direitos Humanos e a conservação da natureza, a igualdade entre todos os cidadãos perante os recursos que os Estados Nacionais aplicam para promover o desenvolvimento das sociedades e do coletivo social sem privilégios e preconceitos e a valorização dos conceitos de dignidade e solidariedade.

O mundo se transforma com as experiências que promovem a evolução das sociedades e das suas culturas. Grandes pensadores construiram teorias que permitem ao indivíduo ver e se preocupar com os outros antes de si mesmo. A visão de conjunto, de inter-relações, do coletivo social e da inter-dependência dos seres humanos com a natureza, tornou-se o fundamento das ciências e inspirou todas as formas de pensamento da humanidade.

A grande obra socialista teorizada por Marx, Hengels e tantos outros, que foi levada à prática inicialmente por Lenin e seus companheiros, contribuiu para objetivar os passos a serem dados no sentido de estabelecer uma sociedade mais justa onde os seres humanos pudessem crescer com a liberdade de se realizarem plenamente. A Revolução Francesa sintetizou esta meta ideal com as palavras: liberdade, igualdade e fraternidade, que correspondeu a pensamentos religiosos e humanistas que marcaram na história da humanidade grandes gestos heróicos de cidadãos que abriram o caminho para o amadurecimento mental do ser humano.

Com o desenvolvimento do modelo de sistema capitalista nascido da Revolução Industrial, mais uma vez, opuseram-se as tendências humanistas das que preconizam a centralização do poder e da riqueza nas mãos da elite dominante capaz de explorar a força de trabalho da população empobrecida que se vê subjugada para garantir uma parca sobrevivência. Em todas as épocas históricas assistimos aos embates entre estas duas tendências onde vencem militarmente os mais fortemente armados que se impõem como chefes cruéis até esgotarem o seu poder minado pelo esbanjamento de riquezas e abandono de princípios éticos.

Mas, as derrotas militares preservam a força da razão e do sentimento socializante que se expande ganhando mais e mais adeptos em todo o planeta e aprofundando os conceitos de luta e objetivando os métodos de conhecimento da realidade e de organização de um processo que seguirá o seu rumo até à vitória final.

No século XX foram obtidas fundamentais vitórias revolucionárias, a começar pela Revolução Russa de 1917 que suportou o antagonismo de todos os paises capitalistas, venceu com os aliados a ambição nazi-fascista, deu significativo apoio aos movimentos de libertação em todo o planeta, expandiu uma cultura revolucionária consolidada com a sua experiência histórica, criou uma potência mundial que existiu por 80 anos agredida pelas mais modernas armas e técnicas do capitalismo global. Outros povos que receberam apoio seguiram os seus próprios caminhos e sobreviveram com a experiência do socialismo adaptada às condições do sistema economico vigente e das relações internacionais: China, Vietnam, Coreia, Laos e Cuba mantêm a bandeira comunista como simbolo da meta de sua luta inspirando os revolucionários de todo o mundo moderno (e atraindo a reação da elite capitalista que não quer deixar que a humanidade considere as vantagens superiores de um sistema socialista).

Dentro dos paises ricos do sistema capitalista intelectuais e militantes sociais estudam os critérios socialistas que atendem às necessidades de toda a população sem distinção de qualquer espécie. Com uma visão mais ampla entendem as causas das misérias e dos abusos sociais e propõem planos de desenvolvimento coletivo e de infra-estruturas nacionais antes de buscarem os maiores lucros no mercado para produtos supérfluos. É o embate com a teoria consumista de um mercado supostamente livre que está na base do poder elitista. O estudo profundo das causas das crises economicas que abalam a sociedade capitalista e são resolvidas (ou adiadas) com o sacrifício das camadas mais pobres da população, acentua o crime de uma elite exploradora que oprime a maioria dos cidadãos e esbanja a riqueza concentrada nos meios financeiros que pertencem as suas famílias.

Nesta fase a que o mundo chegou, de visível exploração criminosa dos mais desamparados socialmente em cada nação, da falência da gestão capitalista dos meios financeiros e de produção globalizados que exige uma expansão do poder imperial sobre as nações dotadas de riquezas naturais através de guerras destruidoras (nas regiões antes colonizadas e agora independentes) e diante da catástrofe planetária causada pela exaustão dos recursos naturais pelos desmandos capitalistas, surge uma auto-crítica honesta de cientistas e políticos defensores dos sistemas vigentes com propostas de alianças nos passos de construção de nações independentes em um mundo equilibrado e sem privilégios de elites.

A China deu o exemplo adotando um caminho aberto aos aspectos construtivos do capitalismo e rejeitando o poder externo que anularia a sua independência, no que tem sido seguida pelo Vietnam e Cuba. Os Estados Unidos pretenderam ir ao encontro deste diálogo com aqueles que sempre tratou como adversários, elegendo um candidato democrata com um discurso pacifico. Mas as forças imperiais continuam a pressionar o poder militar e financeiro para o caminho expansionista e de dominação guerreira. Alguns analistas referem o custo da infra-estrutura de guerra (calculado em trilhões de dolares em armas e soldados, milhares de mercenários) que em um mundo pacífico se tornaria inútil. Para contornar tal problema, Obama fala em retirar o exército e deixar milhares de assessores para reorganizar os paises invadidos.

O problema dos que antigamente eram chamados de rebotalho de guerra, isto é pessoas sem formação cívica e especializada ou vítimas dos traumas psicológicos da guerra, que ficam sem emprego causando problemas sociais nos seus próprios paises, sempre foi conhecido. Torná-los assessores para os países em desenvolvimento sempre foi a solução dos países ricos às custas das nações em desenvolvimento. Trata-se de uma maquiagem tão mentirosa como os pretextos para declarar guerras. Infelizmente para os povos dos países imperialistas, é lá que o problema dos rebotalhos deve ser digerido.


Cada nação tem a sua história

As mudanças ocorridas na América Latina neste início de milênio nem sempre são compreendidas como parte fundamental de um processo de evolução com meta revolucionária sendo, no entanto, imprescindível aos países subdesenvolvidos para atingirem o patamar da independência. Se tais modificações constituem base para um caminho revolucionário com meta socialista, dependerá da organização das forças populares nesse sentido e do fôlego dos lideres renovadores diante da oposição conservadora e reacionária que não deixará de usar todas as armas à sua disposição: da manipulação das noticias à sabotagem criminosa.

O que é certo é que cada povo tem as suas características próprias, o seu caminho, a sua história, portanto as suas condições específicas a serem respeitadas, os seus problemas a serem resolvidos para alcançarem a independência nacional, o grau de desenvolvimento alcançado.

Apesar das riquezas existentes no continente americano, que ainda estão sob o domínio das elites nacionais e dos tentáculos do imperialismo, herdeiros da velha colonização europeia, a modernidade implantada é uma capa que mal veste as vastas áreas dos territórios nacionais. Fala-se em manchas de pobreza. Na verdade existem manchas de desenvolvimento, de moderna tecnologia, de recursos científicos, por onde saltam os talentos que concorrem no mundo globalizado. São como tesouros dispersos na natureza que, mesmo presentes no cenário mundial, não chegam a ser conhecidas pela população do seu país que, maioritariamente, não tem acesso aos benefícios da sociedade. Esses expoentes da cultura, da arte, da ciência, da técnica, são jóias cujo valor não pertence ao seu povo carente de organização social que lhe propicie boa saúde, escolas, alimentação de qualidade, habitação saudável, recursos de vida moderna e possibilidade de usufruir a modernidade..

A distância que separa as ilhas de desenvolvimento dentro do território mergulhado no subdesenvolvimento é tão grande como a que vai do salário mínimo aos lucros obtidos anualmente pelos bancos e empresas multinacionais. Mesmo assim, a América Latina caminha no sentido da libertação, tendo consciência de que se trata de um longo caminho cercado de perigos por todos os lados.

A eleição de Lula foi inspiradora para os povos vizinhos que decidiram expulsar a velha oligarquia afilhada do imperialismo, instalada secularmente nos seus governos nacionais. Foram apoiados por Chaves, na Venezuela, que com o poder do petróleo e o exemplo de Fidel Castro, fala alto com os antigos opressores que o tentam calar e propõe o caminho da revolução Bolivariana. Foi o êxito de um processo político e social, que germina há várias décadas sob governos autoritários disfarçados de democráticos.

Apesar das dificuldades que o Governo de Lula encontra para vencer os estreitos limites impostos pelas heranças enraizadas do neo-capitalismo e da submissão ao imperialismo, o povo mantém o seu apoio eleitoral mesmo que tenha de reclamar das carências e das injustiças que o poder presidencial não consegue controlar. É a imagem do líder que atrai os que lutam pela democracia, do homem simples, povo como a maioria no Brasil, que sempre foi vítima da elite durante toda a vida e mesmo agora, na Presidência.

O domínio oligárquico que teve origem no modelo colonial que gerou a nação, está entranhado na cultura política do povo que sempre viu a história comandada por personagens ou famílias que controlam as instituições sociais e políticas de acordo com os seus interesses de classe. A impunidade permanente da elite, os desvios do dinheiro público e a venda do patrimonio nacional, sempre obedeceram às conveniências da classe política dominante e não à necessidade do povo, a justiça social, a dignidade nacional. Os valores éticos ficam soterrados na estratégia de domínio dos oligarcas e seus parceiros, ou mentores, internacionais. As metas são definidas como o exito da elite e o aumento dos lucros das empresas.

Levar um homem do povo a ocupar um lugar antes cativo da elite oligárquica, é um passo de gigante para aqueles povos que estão agora aprendendo o que é ser cidadão e ter um Estado a favor do desenvolvimento nacional. Na Bolívia escolheram o líder indígena, no Uruguai o combatente das ditaduras, no Paraguai o antigo bispo da teologia da libertação, no Equador um valente homem de bem, na Argentina a esposa de quem fez uma boa presidência. Cada história constrói os seus líderes populares que substituem no poder executivo a antiga classe mandante que tudo fez para conservar o subdesenvolvimento que mantinha o continente latino-americano nas condições de colonizado.

Pela mão desses Presidentes populares que buscam a unidade latino-americana contra os imperiais, os povos apoiam as lutas que permaneceram vivas durante décadas de ditadura e integradas na sua própria cultura. A fé nos deuses indígenas corresponde à dos militantes católicos na sua versão ideológica libertadora que comunga com o trabalho incansável dos ateus comunistas. Cada povo com a sua realidade, com o seu significado cultural, com a imagem dos seus próprios heróis. A unidade entre eles é imprescindível para enfrentar o imperialismo que oprime todos da mesma maneira, afogando-os no atraso e na espoliação, e pelas classes dominantes, que nasceram durante a colonização moldadas pelos países ricos, como seus testas de ferro e se definem pelo egoísmo e a ganância individual.

A identidade de condições de subdesenvolvimento e dependência internacional irmanou as nações latino-americanas. Esta constatação foi o segundo passo de gigante dado no continente. Daí a luta pelo MERCOSUL e contra a ALCA que engloba os países fortes do norte, parceiros imperiais. A história segue devagar, se pensarmos que Cuba há 50 anos fez as suas mudanças essenciais. Contava, então, com o apoio de países socialistas. Nem todos os que seguiram o mesmo exemplo, mas em condições diferentes, tiveram êxito. A Nicarágua agora retomou outra vez o caminho da libertação, no bojo das transformações que ocorrem nos países do sul, e vai em frente, o que inspira a América Central e reforça a do Sul unindo-as na luta latino-americana.

Os processos dão-se lentamente, germinando de dentro para fora em cada região, superando entraves económicos, culturais, políticos que condicionam as estruturas sociais. Uma análise meramente teórica não supõe, para traçar o caminho revolucionário que conduz à independência, necessidades intrínsecas das comunidades que se diferenciam não apenas pelos recursos naturais existentes mas também pela história secular que traçou a sua consciência, os seus medos e anseios.

Todo este processo que move os subterrâneos das sociedades latino-americanas e, no segundo milênio da história da humanidade, eclode com a eleição de líderes populares, constrói de baixo para cima a consciência de cidadania a partir do estancamento da fome, da educação escolar, da organização das comunidades em cursos profissionalizantes e em micro empresas que têm lugar no quadro institucional que se quer democrático. É o impulso da real participação popular na vida nacional, que até então apenas constava da letra constitucional. Este é o terceiro passo de gigante que liberta os latino-americanos e os leva ao diálogo com os demais continentes com autonomia e independência.

Os êxitos desse desenvolvimento interno, de baixo para cima, são constatados no Brasil, na Venezuela, um pouco por toda a parte. Têm produzido brilhantes profissionais e exportado produtos valiosos que encontram acolhida em centros culturais da Europa e no mercado internacional, de onde chegam todas as formas de solidariedade desde o investimento financeiro à formação profissional. As televisões mundiais já não podem omitir esta revelação, levando aos povos mais ricos os exemplos para superar as próprias manchas de subdesenvolvimento que também existem nos seus países.

Os defensores da democracia estudam os métodos didáticos que transformam meninos de rua em bons profissionais sociabilizados, que vencem o poder do crime organizado da riqueza fácil com a valorização do humanismo construtivo, que combate a marginalização com recursos culturais de integração social. Atualmente os que estudam as ciências das religiões e procuram vencer os velhos preconceitos que impedem o convívio respeitoso entre as diferentes crenças, encontram neste processo de desenvolvimento a chave para o seu êxito.

Assim também na área economica empresarial combate-se o tradicional autoritarismo que distanciou de tal forma as classes sociais que os pobres deixaram de participar do mercado por falta de poder aquisitivo. Não se atribui mais um mero “idealismo”, uma “utopia”, aos que trabalham pela integração de toda a população na vida social. Reconhece-se a necessidade até mesmo para o sistema capitalista de que a dinâmica financeira não deixe de fora os maiores contingentes populacionais. Não basta acabar com a fome, para que não morram. É necessário permitir que todos sejam cidadãos, com deveres e direitos, com poder aquisitivo para consumir, o que gera a democracia. A elite não precisa ser “generosa” mas sim deixar de ser ignorante para investir na melhoria de vida do povo que garantirá a dinâmica do seu próprio crescimento financeiro.

Os grandes empresários estudam a possibilidade de expandir o micro-crédito não para ganharem os céus, mas por lucidez de capitalista. As religiões continuam a demonstrar que “será mais difícil um rico entrar no Reino do Céu que um camelo passar pelo fundo de uma agulha”. Mas há quem sonhe poder ensaboar o rico devidamente para o fazer deslizar . Há “utopias” para todos os gostos. Enquanto se multiplicam as experiências alternativas a humanidade desenvolve a consciência com o conhecimento direto da sua realidade e cada nação escolhe as ferramentas com que mais se adapta para sair do atraso e da submissão.

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Zillah Branco

Itanhaém/2010